31 maio, 2010

Violência sem limites!

Violência sem limites!

Israel continua demonstrando que a força e a irracionalidade é sua marca principal.

O mundo civilizado tem que condenar o ataque ao comboio de embarcações que levava suprimentos à faixa de Gaza, e responsabilizar dirigentes israelenses pelas mortes ocorridas em águas internacionais. Isso é inaceitável.

Com o cinismo dos hipócritas, embaixadores e porta-vozes de Israel tem a petulância de dizer que seus soldados foram atacados...sabe com o que? Estilingues, bolinhas de gude e barras de ferro, isso tudo, depois de invadir por ar e mar, as embarcações que levavam suprimentos para a faixa de Gaza. Os soldados responderam à altura: dispararam mataram quase duas dezenas e feriram outro tanto.

Em uma das embarcações estava a cineasta brasileira, que mora nos Estados Unidos, Iara Lee, que foi presa e está sendo deportada de Israel.

Até o momento a totalidade das manifestações das nações civilizadas, condenaram esse ataque grotesco. Esperamos que sejam punidos os responsáveis...!!!
Esperamos....

26 maio, 2010

O ENSINO DA LITERATURA NO ENSINO MÉDIO

I - Justificativa pedagógica
Todo processo científico deve começar com uma indagação. Do mesmo modo, todo processo pedagógico deve começar com uma pergunta: por que ensinar determinada coisa? Assim, quando se vai ensinar literatura, deve-se perguntar: porque ensinar literatura no ensino médio? São os objetivos.
O ensino da literatura deve ser defendido por vários motivos pedagógicos: 1. Pelo lado informativo – deve-se ensinar literatura para que nosso aluno saiba e consiga transmitir conhecimento. Além do conteúdo que o texto literário contém, o estudante recebe outras informações, ou seja, o texto literário é forma de conhecimento; 2. Pelo lado formativo, Nelly Novaes Coelho, afirma: “literatura é reflexo da vida, é a exteriorização verbal artística de uma experiência humana, é evidente que usaremos dela para orientar a educação integral de nossos alunos” (COELHO, Nelly Novaes. O ensino da literatura, 1966, p. 8.). É comumente aceito que a literatura pode levar o aluno à sua formação humanística e assim à educação integral; 3. Com aprimoramento da leitura pelo contínuo contato com a literatura. Em conseqüência, melhorará também a sua escrita. Com isso, adquire o seu próprio estilo, modo peculiar de escrever e de comunicar-se pela linguagem.
Finalmente, como a literatura é cultura, o texto literário irá despertar esse gosto pelo conhecimento, pelo senso crítico. O aluno, assim, poderá saber distinguir um bom texto de um texto de menor valor, é a formação do leitor.
II - Justificativa do ensino por meio de textos
O ensino da literatura deve iniciar-se por textos mais leves, como as crônicas de Fernando Luiz Veríssimo, bastante adequados. Mais tarde, pode-se introduzir o estudo de autores tradicionais da literatura brasileira, como aqueles do Romantismo, que são relativamente fáceis, embora de uma outra época, o que às vezes não agrada muito ao aluno. Ao final do estudo da literatura, é que se pode começar com textos, mais complexos, como os de Guimarães Rosa e os de Clarice Lispector.
Simultaneamente aos textos em prosa, devem-se inserir os textos poéticos acessíveis, como os de Mário Quintana e os Manuel Bandeira. Cecília Meireles, Adélia Prado e outros autores mais complexos, como Carlos Drummond de Andrade, ficariam para mais tarde, ao final do ensino médio.
Pedagogicamente, seria bom que a escolha do texto a ser estudado fosse de escolha do professor em conjunto com o aluno, ou, então, do próprio aluno. Assim, ele se sentiria motivado para a leitura, compreensão e análise do texto.
III - Justificativa histórico-literária
Em sala de aula, o texto literário deve ser colocado em seu contexto: época de sua produção, autor que o produziu, a forma literária em que está escrito e outros relacionamentos que o próprio texto sugerir. Assim, um conto de Mário de Andrade deve vir acompanhado da explicação do professor sobre o contexto histórico: séc. XX, período após a Primeira Grande Guerra; o contexto literário: a Semana de Arte Moderna, de 1922; o papel de Mário de Andrade na organização e realização da Semana, ao lado de outros como Oswald de Andrade.
Do ponto de vista da Teoria da Literatura, o conto, como forma literária, deve ser visto como pertencente à ficção. Uma espécie de texto que é inventada, criada, e que, por isso, não deve corresponder exatamente à realidade.
O texto ficcional, como a própria palavra assinala, é ficção, é invenção, é fingimento. Assim, não tem compromisso com o real, com a verdade. Terry Eagleton ao definir literatura, afirma: “É possível, por exemplo, defini-la como a escrita ‘imaginativa’, no sentido de ficção – escrita esta que não é literalmente verídica” (EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução, s. d., p. 1).
Do mesmo modo, em textos dos anos 40, como os de Jorge Amado, há que se considerar o período do pós-guerra, quando o mundo todo entrou em colapso e surgiram ou se intensificaram vários movimentos filosóficos, como o Socialismo. Tudo isso serviu de base para uma literatura política e de alcance sociológico. Assim foram também os textos dos autores do Romance do Nordeste, como os de Graciliano Ramos e os de Rachel de Queiroz.
Do mesmo modo, devem-se enfocar textos da atualidade literária. Um texto de Clarice Lispector só pode ser compreendido após o Existencialismo de Jean-Paul Sartre, por exemplo. Um texto de Guimarães Rosa, com sua linguagem criativa e renovadora, só pode ser entendido após as várias formas de Experimentalismo na literatura.
Antonio Candido, sobre a relação entre história e literatura, declara que os textos históricos: “se não ajudam a penetrar no miúdo da análise, talvez ajudem a entender alguns traços gerais do poema, como o gosto pelos contrastes e a energia da descrição...” (CANDIDO, Antonio. Na sala de aula: caderno de análise literária, 1986, p. 9). O mesmo acontece diante de outras relações, como aquela entre filosofia e literatura, por exemplo.
Quanto ao texto poético, há também que se explicar ao estudante como esse tipo de texto funciona: em versos ou não; com rima ou não; com ritmo próprio; e com as palavras que se transfiguram. Massaud Moisés ensina: “A poesia é a linguagem no seu ser genuíno” (MOISÉS, Massaud. A criação poética, 1977, p. 27). O poema, deve ainda merecer explicação da sua forma: forma fixa; soneto; construção mais livre, como é mais comum no Modernismo.
IV - Justificativa metodológica: o ensino com pesquisa
Uma última finalidade para o ensino da literatura no ensino médio é introduzir o aluno à iniciação da pesquisa. O aluno deve aprender a pesquisar textos literários, observar aqueles que mais chamam a sua atenção, fazer análises de alguns textos e também desenvolver-se em apresentações.
Esta metodologia pedagógica vem sendo amplamente defendida e difundida no ensino brasileiro por Pedro Demo. Com ela, o aluno passaria de mero espectador no processo de ensino e de aprendizagem e assumiria papel de agente no seu próprio aprender. (DEMO, Pedro. Pesquisa e construção do conhecimento, 2002, p. 10).
O professor, por seu lado, deve dar a oportunidade ao aluno de mostrar o resultado de suas pesquisas, proporcionando-lhe tempo em sala de aula ou em evento paralelo, como Seminários e outros. Assim, facilita-se ao aluno e abrem-se para ele novas oportunidades.
V - Palavras finais
O magistério é a profissão daqueles que realmente querem ver o aluno desenvolvendo-se com base sólida para futuros estudos, vestibulares, concursos. O verdadeiro professor é aquele que procura fazer que o seu aluno progrida cultural e profissionalmente. Assim, a escola e os professores estarão cumprindo o dever de formar cidadãos conscientes, para a realização pessoal.
REFERÊNCIAS
CANDIDO, Antonio. Na sala de aula: caderno de análise literária. São Paulo: Ática, 1986.
COELHO, Nelly Novaes. O ensino da literatura. São Paulo: FTD, 1966.
DEMO, Pedro. Pesquisa e construção do conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. 5. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002.
EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. Trad. Brasileira Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, s.d.
MOISÉS, Massaud. A criação poética. 16 ed. São Paulo: Melhoramentos; Universidade de São Paulo, 1977.

18 maio, 2010

OLAVO BILAC E A POESIA INFANTIL E DIDÁTICA

OLAVO BILAC
Olavo Bilac (Rio de janeiro, 1865-1918) foi um eterno inconstante. Começou Medicina, no Rio, e depois Direito, em São Paulo, sem ter concluído nenhum desses cursos. Literariamente. em 1884, teve seu primeiro soneto, denominado Nero publicado na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro. Em 1887, iniciou a carreira de jornalista literário. Em 1888, publicou seu primeiro livro, Poesias. Depois publicaria crônicas, conferências literárias, discursos, livros infantis e didáticos.
Esteve sempre engajado em movimentos políticos do país. Foi republicano e nacionalista, tanto que escreveu a letra do Hino à Bandeira. Mais tarde, ao fazer oposição ao governo de Floriano Peixoto, foi perseguido e teve de se afastar do Rio de Janeiro. Ficou por algum tempo como num exílio político no estado de Minas Gerais. Voltando ao Rio, foi membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, em 1896. Já no século XX, em 1907, foi eleito o primeiro “príncipe dos poetas brasileiros”, em concurso patrocinado pela revista Fon-Fon. De 1915 a 1917, como o nacionalista que sempre foi, participou de várias campanhas cívicas, principalmente aquelas pelo serviço militar obrigatório e pela instrução primária.
Como grande poeta parnasiano, a sua obra póstuma Tarde (1919) é uma das mais representativas da poesia brasileira e marcante de uma época e de um estilo literário. A sua poesia infantil e didática mantém, embora sem grande fornalismo, a mesma qualidade de seus outros poemas.
O poeta faleceu em 1918 e nos deixou grande e importante legado de poemas e de exemplos de civismo e de participação social, como cidadão e como intelectual. Dentre esses, destacam-se os poemas infantis com lições sobre vários assuntos, desde os relacionados ao amor ao país, à natureza, à religião e à confraternização entre as crianças.
Nesta página, como ilustração da sua poesia infantil e didática, apresentam-se cinco poemas:
1. A Pátria
Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente
em festa,

É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!

Vê que grande extensão de matas, onde impera
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha...

Quem com seu suor a fecunda e umedece,
vê pago o sue esforço, e é feliz, e enriquece!
Criança! não verás país nenhum como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste!
2.

O Universo
A Lua:
Sou um pequeno mundo;
Movo-me, rolo e danço
Por este céu profundo;
Por sorte Deus me deu
Mover-me sem descanso,
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.

A Terra:
Eu sou esse outro mundo;
A lua me acompanha,
Por este céu profundo...
mas é destino meu Rolar,
assim tamanha,
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.

O Sol:
Eu sou esse outro mundo,
Eu sou o sol ardente!
Dou luz ao céu profundo...
Porém sou um pigmeu,
Que rolo eternamente
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.

O Homem:
Porque, no céu profundo,
Não há-de parar mais
O vosso movimento?
Astros! qual é o mundo,
Em torno ao qual rodais
Por esse firmamento?

Todos os Astros:
Não chega o teu estudo
Ao centro d’isso tudo,
Que escapa aos olhos teus!
O centro d’isso tudo,
Homem vaidoso, é Deus!


3. O Pássaro Cativo
Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.

Dás-lhe então, por esplêndida morada,
A gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
Porque é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar ?

É que, crença, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender ;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:

“Não quero o teu alpiste !
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que a voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores,
Sem precisar de ti !
Não quero a tua esplêndida gaiola !
Pois nenhuma riqueza me consola
De haver perdido aquilo que perdi ...
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas ...
Solta-me ao vento e ao sol !
Com que direito à escravidão me obrigas ?
Quero saudar as pompas do arrebol !
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas !
Por que me prendes ? Solta-me covarde !
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade ...
Quero voar ! voar ! ... “

Estas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição:
E a tua mão tremendo, lhe abriria
A porta da prisão ...


4. A Boneca
Deixando a bola e a peteca,
Com que inda há pouco brincavam,
Por causa de uma boneca,
Duas meninas brigavam.

Dizia a primeira : “É minha!”
— “É minha!” a outra gritava;
E nenhuma se continha,
Nem a boneca largava.

Quem mais sofria (coitada!)
Era a boneca. Já tinha
Toda a roupa estraçalhada,
E amarrotada a carinha.

Tanto puxavam por ela,
Que a pobre rasgou-se ao meio,
Perdendo a estopa amarela
Que lhe formava o recheio.

E, ao fim de tanta fadiga,
Voltando a bola e a peteca,
Ambas, por causa da briga,
Ficaram sem a boneca ...
5.

Justiça
Chega à casa, chorando, o Oscar. Abraça
Em prantos a Mamãe.
“Que foi, meu filho?”
—“Sucedeu-me, Mamãe, uma desgraça!
Outros, no meu colégio, com mais brilho,
Tiveram prêmios, livros e medalhas...
Só eu não tive nada!”
—“Mas porque não trabalhas?
porque é que, a uma existência dedicada
Ao trabalho e ao estudo,
Preferes os passeios ociosos?
Os outros, filho, mais estudiosos,
Pelas suas lições desprezam tudo...
Pois querias então que, vadiando,
Os outros humilhasses,
E que, os melhores prêmios conquistando,
Mais que os outros brilhasses?
Para outra vez, ao teu prazer prefere
O estudo! e o prêmio alcançarás sem custo:
E aprende: mesmo quando isso te fere,
É preciso ser justo!”.


Nos cinco poemas apresentados, que fazem parte do livro intitulado Literatura Infantil–1880-1991, Olavo Bilac nos dá algumas lições:
1.no poema A Pátria, lição de civismo, embora num tom de ufanismo, como é uma bastante comum na literatura brasileira. Essa lição deveria ser ensinada às crianças, para que pudessem, mais tarde, quando adultos, praticarem-na em suas atividades como cidadãos;
2.no conjunto de poemas que constituem a série O Universo, a lição é de cosmologia e de sentimento de respeito à grandeza de Deus, o Onipotente, perante o Homem, mísero mortal, o que se apresenta sob a forma de alegoria no diálogo entre o homem e os astros;
3.no poema O Pássaro Cativo, aparece a lição de amor à natureza, uma espécie de Ecologia avant la lettre, com conceitos também como o de prisão versus liberdade;
4.em A Boneca, a lição se refere à procura da socialização das crianças, o aprender a dividir, primeiramente, os brinquedos, para, mais tarde, adultos, saberem exercer a solidariedade;
5.finalmente, no último poema, Justiça, a lição é sobre o senso de justiça, mas também o ensinamento de qualidades, como a dedicação aos estudos, o não cultivo da inveja e da soberba.


13 maio, 2010

O Navio Negreiro

Porão de Navio Negreiro. Gravura de Rugendas, 1835.


I



'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço

Brinca o luar — dourada borboleta;

E as vagas após ele correm... cansam

Como turba de infantes inquieta.



'Stamos em pleno mar... Do firmamento

Os astros saltam como espumas de ouro...

O mar em troca acende as ardentias,

— Constelações do líquido tesouro...



'Stamos em pleno mar... Dois infinitos

Ali se estreitam num abraço insano,

Azuis, dourados, plácidos, sublimes...

Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...



'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas

Ao quente arfar das virações marinhas,

Veleiro brigue corre à flor dos mares,

Como roçam na vaga as andorinhas...



Donde vem? onde vai? Das naus errantes

Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?

Neste saara os corcéis o pó levantam,

Galopam, voam, mas não deixam traço.



Bem feliz quem ali pode nest'hora

Sentir deste painel a majestade!

Embaixo — o mar em cima — o firmamento...

E no mar e no céu — a imensidade!



Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!

Que música suave ao longe soa!

Meu Deus! como é sublime um canto ardente

Pelas vagas sem fim boiando à toa!



Homens do mar! ó rudes marinheiros,

Tostados pelo sol dos quatro mundos!

Crianças que a procela acalentara

No berço destes pélagos profundos!



Esperai! esperai! deixai que eu beba

Esta selvagem, livre poesia

Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,

E o vento, que nas cordas assobia...

..........................................................



Por que foges assim, barco ligeiro?

Por que foges do pávido poeta?

Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira

Que semelha no mar — doudo cometa!



Albatroz! Albatroz! águia do oceano,

Tu que dormes das nuvens entre as gazas,

Sacode as penas, Leviathan do espaço,

Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.





II





Que importa do nauta o berço,

Donde é filho, qual seu lar?

Ama a cadência do verso

Que lhe ensina o velho mar!

Cantai! que a morte é divina!

Resvala o brigue à bolina

Como golfinho veloz.

Presa ao mastro da mezena

Saudosa bandeira acena

As vagas que deixa após.



Do Espanhol as cantilenas

Requebradas de langor,

Lembram as moças morenas,

As andaluzas em flor!

Da Itália o filho indolente

Canta Veneza dormente,

— Terra de amor e traição,

Ou do golfo no regaço

Relembra os versos de Tasso,

Junto às lavas do vulcão!



O Inglês — marinheiro frio,

Que ao nascer no mar se achou,

(Porque a Inglaterra é um navio,

Que Deus na Mancha ancorou),

Rijo entoa pátrias glórias,

Lembrando, orgulhoso, histórias

De Nelson e de Aboukir.. .

O Francês — predestinado —

Canta os louros do passado

E os loureiros do porvir!



Os marinheiros Helenos,

Que a vaga jônia criou,

Belos piratas morenos

Do mar que Ulisses cortou,

Homens que Fídias talhara,

Vão cantando em noite clara

Versos que Homero gemeu ...

Nautas de todas as plagas,

Vós sabeis achar nas vagas

As melodias do céu! ...





III





Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!

Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano

Como o teu mergulhar no brigue voador!

Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!

É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...

Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!





IV





Era um sonho dantesco... o tombadilho

Que das luzernas avermelha o brilho.

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros... estalar de açoite...

Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar...



Negras mulheres, suspendendo às tetas

Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras moças, mas nuas e espantadas,

No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs!



E ri-se a orquestra irônica, estridente...

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais ...

Se o velho arqueja, se no chão resvala,

Ouvem-se gritos... o chicote estala.

E voam mais e mais...



Presa nos elos de uma só cadeia,

A multidão faminta cambaleia,

E chora e dança ali!

Um de raiva delira, outro enlouquece,

Outro, que martírios embrutece,

Cantando, geme e ri!



No entanto o capitão manda a manobra,

E após fitando o céu que se desdobra,

Tão puro sobre o mar,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:

"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!

Fazei-os mais dançar!..."



E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais...

Qual um sonho dantesco as sombras voam!...

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanás!...





V





Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus?!

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?...

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!



Quem são estes desgraçados

Que não encontram em vós

Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fúria do algoz?

Quem são? Se a estrela se cala,

Se a vaga à pressa resvala

Como um cúmplice fugaz,

Perante a noite confusa...

Dize-o tu, severa Musa,

Musa libérrima, audaz!...



São os filhos do deserto,

Onde a terra esposa a luz.

Onde vive em campo aberto

A tribo dos homens nus...

São os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão.

Ontem simples, fortes, bravos.

Hoje míseros escravos,

Sem luz, sem ar, sem razão. . .



São mulheres desgraçadas,

Como Agar o foi também.

Que sedentas, alquebradas,

De longe... bem longe vêm...

Trazendo com tíbios passos,

Filhos e algemas nos braços,

N'alma — lágrimas e fel...

Como Agar sofrendo tanto,

Que nem o leite de pranto

Têm que dar para Ismael.



Lá nas areias infindas,

Das palmeiras no país,

Nasceram crianças lindas,

Viveram moças gentis...

Passa um dia a caravana,

Quando a virgem na cabana

Cisma da noite nos véus ...

... Adeus, ó choça do monte,

... Adeus, palmeiras da fonte!...

... Adeus, amores... adeus!...



Depois, o areal extenso...

Depois, o oceano de pó.

Depois no horizonte imenso

Desertos... desertos só...

E a fome, o cansaço, a sede...

Ai! quanto infeliz que cede,

E cai p'ra não mais s'erguer!...

Vaga um lugar na cadeia,

Mas o chacal sobre a areia

Acha um corpo que roer.



Ontem a Serra Leoa,

A guerra, a caça ao leão,

O sono dormido à toa

Sob as tendas d'amplidão!

Hoje... o porão negro, fundo,

Infecto, apertado, imundo,

Tendo a peste por jaguar...

E o sono sempre cortado

Pelo arranco de um finado,

E o baque de um corpo ao mar...



Ontem plena liberdade,

A vontade por poder...

Hoje... cúm'lo de maldade,

Nem são livres p'ra morrer. .

Prende-os a mesma corrente

— Férrea, lúgubre serpente —

Nas roscas da escravidão.

E assim zombando da morte,

Dança a lúgubre coorte

Ao som do açoute... Irrisão!...



Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus,

Se eu deliro... ou se é verdade

Tanto horror perante os céus?!...

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas

Do teu manto este borrão?

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão! ...





VI





Existe um povo que a bandeira empresta

P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...

E deixa-a transformar-se nessa festa

Em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,

Que impudente na gávea tripudia?

Silêncio. Musa... chora, e chora tanto

Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...



Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra

E as promessas divinas da esperança...

Tu que, da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!...



Fatalidade atroz que a mente esmaga!

Extingue nesta hora o brigue imundo

O trilho que Colombo abriu nas vagas,

Como um íris no pélago profundo!

Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga

Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!

Andrada! arranca esse pendão dos ares!

Colombo! fecha a porta dos teus mares!


Castro Alves

12 maio, 2010

Fundeb

Estados deixaram de repassar R$ 1,2 bilhão para ensino básico em 2009

Matéria publicada em 10/05/2010 às 11h28m

Demétrio Weber - Jornal O Globo - Educação


BRASÍLIA - O Ministério da Educação (MEC) constatou que 21 estados deixaram de aplicar R$ 1,2 bilhão em ensino básico no ano passado. O dinheiro deveria ter sido repassado ao Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), principal mecanismo de financiamento da rede pública. Mas, numa espécie de sonegação contábil, acabou livre para custear outras atividades.



O MEC já alertou os tribunais de contas dos estados e municípios, os ministérios públicos federal e estadual, os conselhos de acompanhamento e controle social do Fundeb e os respectivos governos estaduais. Convencido de que é preciso aumentar os investimentos em educação, o ministério quer evitar desvios nas verbas legalmente reservadas para o ensino.



Leia mais:
Fundeb: investimentos por aluno em 2010 ficará abaixo no necessário para ensino de qualidade

03 maio, 2010

OS SEGREDOS DOS BONS PROFESSORES

Com o título Os Segredos dos Bons Professores, a revista Época recentemente publicou uma ampla matéria, em que apresenta alguns pontos básicos sobre o modo de ensinar, qualidade de professores e outros temas correlatos.
Dando-se o devido desconto da forma bastante prescritiva, ainda naquele esquema skinneriano como são os estudos norte-americanos, pode-se tirar proveito da matéria.
Aqui se reproduz parte dessa matéria:

OS SEGREDOS DOS BONS PROFESSORES

O que todos nós temos a aprender com os mestres dedicados, capazes de transformar nossas crianças em alunos de sucesso

De uma carteira na penúltima fileira da sala de aula, relembro alguns conceitos de matemática que tanto me assustavam anos atrás. A minha volta estão cerca de 30 alunos do ensino médio de uma escola de primeira linha de São Paulo. O professor João (o nome é fictício, e você já vai entender por quê) dá uma boa aula. As fórmulas, as equações, os problemas se sucedem. Minha intenção não é reaprender matemática, e sim entender como atua um bom professor. João foi indicado pela direção da escola como um dos melhores.
Prender a atenção de um bando de adolescentes às 8 horas da manhã, com esse tema, já pode ser considerado um feito. E João conquista a quase unanimidade dos olhos grudados no quadro verde, onde resolve um exercício. Só dois grupos pequenos travam conversas paralelas (sobre a própria matéria) – e uma menina dá uma cochilada, a três carteiras de mim. Estou ali, tentando perceber os segredos de uma boa aula, quando escuto um diálogo cochichado:
– Não consegui fazer a maioria dos exercícios, acho que vou passar o resto da semana no plantão de dúvidas.
– Você já teve aula com o professor Fernando?
– Ainda não.
– Ele é demais, o melhor professor que eu já tive.
– Ele é legal?
– Não é isso. É que ele explica tudo de um jeito que a gente consegue entender.
A diferença entre esses dois professores – um bom, o outro ótimo – é o fator de maior impacto na educação. Não é que não seja importante ter computadores, visitar pontos históricos ou culturais, adotar bons livros e apostilas ou manter poucos alunos nas salas de aula. É. Mas, como revela um conjunto de estudos recentes, nada tem tanto efeito sobre o aprendizado quanto a qualidade do professor.
Fatores genéticos podem ser responsáveis por diferenças notáveis no desempenho de uma criança na escola. Mas eles só se manifestam se o professor for bom, diz um estudo da Universidade da Flórida, publicado na edição deste mês da revista Science. (O estudo analisou os níveis de leitura de gêmeos que estudavam em classes diferentes. Os que tinham professores piores – medidos de acordo com o resultado geral da sala – não atingiam o nível dos irmãos, com carga genética idêntica.) Esse resultado põe em xeque o mito de que bons alunos se fazem sozinhos.
Outro mito – a existência de alunos para quem o conteúdo é impenetrável – cai por terra diante das experiências de instituições de ensino nos Estados Unidos expostas em dois livros recém-lançados: (ETeaching as leadership: the highly effective teacher’s guide to closing the achievement gap nsinar como um líder: o guia do professor supereficiente para diminuir o déficit de aprendizado), de Steven Farr, e Teach like a champion: 49 techniques that put students on the path to college (Ensine como um campeão: 49 técnicas que colocam os estudantes no rumo da universidade), de Doug Lemov.
(...)
A discussão sobre a qualidade dos professores já está instalada no Brasil. É o cerne de uma batalha entre os sindicatos de professores, que exigem melhores salários e condições de trabalho, e algumas secretarias estaduais, que tentam implementar um sistema de meritocracia, similar ao vigente naqueles países que mais se destacam nas avaliações internacionais de ensino, como Finlândia e Coreia do Sul. Tal sistema já apresenta bons resultados. São Paulo adotou, em 2008, um programa de bonificação para escolas, diretores e professores cujos alunos melhoram o desempenho em provas. Em apenas um ano, o número de alunos da 4ª série que não conseguiam fazer contas básicas de soma e subtração caiu de 38% para 31%.
“Medir o resultado e premiar os melhores é o caminho certo para tornar a carreira de professor mais atraente”, diz Fernando Veloso, economista e especialista em educação. Mas o sistema é ainda incompleto. “Nenhuma das avaliações considera a ação do professor em sala de aula”, diz Paula Louzano, especialista em educação e consultora da Fundação Lemann, organização dedicada à melhora do nível do ensino.
Avaliar o desempenho individual dos professores permitiria não apenas premiá-los de forma mais justa e eficiente, mas também fazer algo ainda mais importante: entender como eles trabalham – e estender sua experiência aos demais. Porque, se é verdade que todo aluno pode aprender, é lógico acreditar que todo professor tem condições de tornar-se ótimo.
Premiar os bons professores e punir os ruins é essencial. Mas fazer apenas isso não basta para chegar a um ensino de qualidade. É aí que entram em cena os dois livros recém-lançados nos Estados Unidos. O primeiro, Teaching as leadership, foi escrito por Steven Farr, o responsável pela difusão de conhecimento da organização Teach for America, que dá aulas em escolas públicas para crianças de comunidades carentes. Em duas décadas de atuação, a Teach for America formou 25 mil professores, que deram aulas a 3 milhões de alunos. Mais do que apenas ensinar, a Teach for America vem colecionando dados sobre os professores mais eficientes. Suas técnicas, seus métodos, sua formação, como se preparam para o trabalho. Dessa análise surgiram o que Farr chama de seis pilares do ensino:
1) traçar metas ambiciosas com a turma, como “este ano vamos avançar dois níveis em um” ou “todos os alunos desta sala vão tirar mais que 9 no exame nacional” (não metas vagas, como “vamos aprender o máximo”);
2) envolver alunos e famílias, a ponto de traçar com os pais planos de incentivo individualizados para as crianças;
3) planejar com cuidado as aulas;
4) dar aulas com eficiência, aproveitando cada minuto e cada oportunidade;
5) aumentar a eficiência sempre;
6) trabalhar incansavelmente, porque cada um dos itens anteriores dá muito, muito trabalho.
Na mesma linha, o educador Doug Lemov lançou no início deste mês o livro Teach like a champion. Lemov dirige a Uncommon Schools (Escolas Incomuns), uma associação de 16 escolas que ensinam crianças principalmente de famílias carentes. “Uma de nossas missões é diminuir a distância na taxa de aprendizado entre ricos e pobres”, diz Lemov. Eles têm conseguido. Em 2009, 98% dos alunos da Uncommon tiraram notas acima da média estadual de Nova York em matemática. Na avaliação de inglês, foram 80%.

(GUIMARÃES, Camila. Revista Época, ed. 623. 26.abril.2010, 110-118)