“Ter mentido é
ter sofrido. 0 hipócrita é um paciente na dupla acepção da palavra; calcula um
triunfo e sofre um suplício. A premeditação indefinida de uma ação ruim,
acompanhada por doses de austeridade, a infâmia interior temperada de excelente
reputação, enganar continuadamente, não ser jamais quem é, fazer ilusão, é uma
fadiga.”
Victor Hugo,
in "Os Trabalhadores do Mar"
Eu
também acho uma vergonha a hostilidade aos médicos cubanos. Não pelas vaias,
pois há legitimidade numa boa vaia e todo mundo sabe disso. Não sejamos
hipócritas. Quem se envergonha pelas vaias deve, por uma questão de coerência,
envergonhar-se de outras manifestações. Qual é a diferença? Como criticar as
vaias e aplaudir as “vozes das ruas"? Muitos aplaudem, inclusive, o movimento Black bloc e até os vândalos. Estes estão representando grupos
insatisfeitos, ou não? E os médicos brasileiros? Representam uma classe, um
grupo, ou não? Será que todos eles são lixo e, por isso, não têm direito a criticar e
questionar a vinda de seus colegas ao Brasil? Será que os médicos brasileiros,
em especial os que trabalham no setor público, não têm queixas e mágoas
pela completa desvalorização de sua carreira ao longo dos últimos anos? Será
mesmo? No fundo, sabemos que têm... Entretanto, o que eu e toda gente de bom
senso e o mínimo de humanidade acha bastante vergonhoso, são as atitudes
preconceituosas que estão implícitas nessas vaias. Já li coisas terríveis sobre a
questão - inclusive que as vais e etc. foram "plantadas" pelo próprio PT, mas vou desconsiderar - é ardiloso demais... Sim, mata de vergonha. Faço coro com os que lhes desejam boas-vindas.
Em nenhum momento desqualifiquei os médicos estrangeiros. Entretanto, preciso
dizer que para mim é vergonhoso também, o governo esperar tanto para trazê-los
como forma de minimizar o sofrimento das pessoas extremamente necessitadas e
que, de fato, não estão nem aí se o médico é “gringo” ou não. Mas por que só agora? Por
que às vésperas das eleições? Isto é uma vergonha, sim! É o "X" da questão. É uma vergonha deixar o
povo à mercê dos hospitais públicos sucateados, sem material hospitalar - que vai da gase, à maca, aos leitos -, lotados e, dos planos de saúde, caríssimos e pagos, pela maioria, com o dinheirinho contado - por medo do que é
público. É uma vergonha deixar esse povo que vive tão distante, sem nada nem
ninguém que os ajude por tanto tempo... – insisto. Se é sabido que houve
sucesso antes (houve?) – antes mesmo do governo petista, lá pelos idos de noventa –, por que demorar
tanto para retomar o projeto – ainda que lhe dando outro nome, para colher os
louros? Sim, é uma vergonha. Não vou entrar no mérito jurídico, pois desconheço
a questão e, se for contra a lei, se for exploração é vergonhoso demais também. Vergonhoso e sério! Por que
criticar ações fora da lei “lá” (nos outros partidos e partidos que ainda estaõ tentando existir) e acolher “cá” (situação e aliados)? Mas a questão é maior. É, ou deveria ser, profundamente
ética, política e complexa... Mas,
política séria à parte, é como guardar um presente para entregá-lo perto do próprio
aniversário, lembrando sutilmente: quero ganhar também. Ou, como dar um pedaço
de bolo num prato bem bonito ao vizinho esperando que volte cheio. Ou ainda, entregar uma "bota" e daqui a quatro anos entregar a outra... Resumindo: pura politicagem, campanha! Desculpem-me, mas não consigo dissociar essa vinda dos médicos estrangeiros da questão das manifestações de
junho e da proximidade das eleições de 2014. Desculpem-me, posso estar em muitos aspectos mal informada, não é? Mas não ando pelos gabinetes de Brasília - nem em quaisquer outros. Não sou cientista polítca nem jornalista; mas... como dizem: “não
dá”. Enquanto "reles" eleitora, confio bastante em minha capacidade de observação e intuição. A política deixa rastros...
Tania Anjos