10 dezembro, 2009

Comunidade "Soledad no Recife"

Amigos, amigas e resistentes




Foi criada no Orkut uma comunidade para o livro "Soledad no Recife". Está aqui http://www.orkut.com.br/Main?rl=ms#Community?cmm=96852995




Em Soledad no Recife, um narrador-personagem conta com um sentimento de amor os últimos dias de Soledad Barret. É um olhar de 37 anos depois para um dos muitos crimes hediondos da Ditadura pós 64.



O assassinato de militantes, em especial de Soledad Barret, grávida de seu ex-companheiro e infiltrado da Ditadura Militar, o famoso Cabo Anselmo, que a entregou a Fleury. "Nenhuma ficção sobre o período foi tão longe e nem tão fundo", na definição do escritor e ex-preso político Alípio Freire.



"Vamos, através desta comunidade, difundir a beleza deste livro..vamos discutir a 'sombra' que separa o os 37 anos do personagem-narrador...escancarar a ignomínia do Cabo Anselmo e a indecência desse crápula que mandou sua companheira e seu filho-feto para os porões da tortura e morte!! ", diz o perfil da comunidade.

10 novembro, 2009

UM ARTIGO POLÊMICO - Fernando Henrique Cardoso





Fernando Henrique Cardoso (Rio de Janeiro, 18-06-1931), antes, durante e depois da presidência da República, tem se portado como o intelectual e sociólogo que realmente é. Doutor em Ciências Políticas pela USP (1961), fez estudos de pós-graduação na Universidade de Paris. Na época da Revolução de 1964, exilou-se no Chile e depois na França. Nesses países, conviveu com dirigentes das principais organizações políticas internacionais, principalmente a ONU. Foi interlocutor de políticos importantes da América do Sul e da Europa. Trabalhou na CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe e no ILPES - Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social, onde também foi professor. Lecionou na FLACSO - Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, e na Universidade do Chile. Em Paris, para onde se mudou em 1967, foi professor da Universidade de Paris-Nanterre. De volta ao Brasil, em 1968, retomou a carreira acadêmica e assumiu a cadeira de Política na USP. Mais tarde, fundou o CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Em 1969, publicou seu mais importante livro, Dependência e Desenvolvimento na América Latina (com Enzo Faletto) e, em 1971, Política e Desenvolvimento em Sociedades Dependentes: Ideologias do Empresariado Industrial Argentino e Brasileiro. Em 1975, saiu outra importante obra: Autoritarismo e Democratização. Antes de começar carreira política, lecionou nas universidades de Stanford (1972), Cambridge (1976-1977) e Paris (1977).

Seu primeiro cargo político, em 1978, foi como suplente de Senador pelo antigo MDB. Em 1980, participou da fundação do PMDB e, três anos mais tarde, assumiu o Senado, quando Montoro assumiu o governo de São Paulo. Reelegeu-se em 1986. Em 1985, havia se candidatado para a à prefeitura de São Paulo, mas perdeu para Jânio Quadros. Foi um dos fundadores do PSDB, em 1988. No governo de Itamar Franco, foi ministro das Relações Exteriores (1992-1993) e depois ministro da Fazenda (1993-1994). Neste cargo, lançou o Plano Real, com o qual o país conseguiu algo inédito, a estabilização econômica. Elegeu-se presidente como o candidato da aliança PSDB/PFL/PTB/PPB. Reelegeu-se em 1998, graças a uma emenda constitucional aprovada em seu primeiro mandato

Em julho de 1995, Fernando Henrique Cardoso foi homenageado com os graus de Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra e da Universidade do Porto, ambas em Portugal. É co-presidente do Inter-American Dialogue; membro dos Conselhos Consultivos do Institute for Advanced Study, da Universidade de Princeton; e da Fundação Rockefeller, em NovaYork.

Sobre política e governo, publicou Dependência e Desenvolvimento na América Latina, 1969; Perspectivas, 1983; O mundo em português, 1998; O presidente segundo o sociólogo, também 1998. Escreveu uma obra autobiográfica, em que avalia o seu governo, A Arte da Política: a história que vivi, 2006. Nesse mesmo ano, publicou Carta a um jovem político. Ainda em 2006, em 7 de setembro de 2006, lançou Carta aos Brasileiros, na qual analisa o momento político e as eleições de 2006.

Foi casado com a antropóloga Ruth Cardoso, discípula de Lévi-Strauss, na França. Ela foi professora e grande colaboradora do governo. Foi idealizadora e uma das criadoras da Comunidade Solidária, órgão ligado à Presidência da República, mas não-governamental - como ela própria gostava de salientar. A Comunidade Solidária reunia representantes de ministérios da área social, da sociedade civil e do empresariado. Segundo Dilma Pena, Secretária de Saneamento e Energia do Governo do Estado de São Paulo, Dona Ruth “mobilizou todo o País pela solidariedade, com uma política solidária respeitosa para que cada vez mais o brasileiro fosse cidadão no sentido pleno”.

Recentemente, Fernando Henrique Cardoso publicou um artigo, Para Onde Vamos?, que se tornou polêmico pelos problemas que enfoca:

A enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas, frases presidenciais aparentemente sem sentido e muita propaganda talvez levem as pessoas de bom senso a se perguntarem: afinal, para onde vamos? Coloco o advérbio “talvez” porque alguns estão de tal modo inebriados com “o maior espetáculo da terra”, de riqueza fácil que beneficia a poucos, que tenho dúvidas. Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes. Tornou-se habitual dizer que o governo Lula deu continuidade ao que de bom foi feito pelo governo anterior e ainda por cima melhorou muita coisa. Então, por que e para que questionar os pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei?

Só que cada pequena transgressão, cada desvio, vai se acumulando até desfigurar o original. Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. Método que provavelmente não advenha do nosso Príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal. Mas tudo o que o cerca possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma, pode levar o país, devagarinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade, que pouco têm a ver com nossos ideais democráticos.

É possível escolher ao acaso os exemplos de “pequenos assassinatos”. Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada, mal ajambrada? Mudança que nem sequer pode ser apresentada como uma bandeira “nacionalista”, pois se o sistema atual, de concessões, fosse “entreguista” deveria ter sido banido, e não foi. Apenas se juntou a ele o sistema de partilha, sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública. Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares se o processo de seleção não terminou? Por que tanto ruído e tanta ingerência governamental em uma companhia (a Vale) que, se não é totalmente privada, possui capital misto regido pelo estatuto das empresas privadas? Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem qualquer pudor, passear pelo Brasil às custas do Tesouro (tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso...) exibindo uma candidata claudicante? Por que, na política externa, esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?

Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do “autoritarismo popular” vai minando o espírito da democracia constitucional. Essa supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente. Na contramão disso tudo, vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar, quando os “projetos de impacto” (alguns dos quais viraram “esqueletos”, quer dizer obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis) animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Em pauta, temos a transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e as centenas de pequenas obras do PAC, que, boas algumas, outras nem tanto, jorram aos borbotões no orçamento e minguam pela falta de competência operacional ou por desvios barrados pelo TCU. Não importa: no alarido da publicidade, é como se o povo já fruísse os benefícios: “Minha casa, minha vida”; biodiesel de mamona, redenção da agricultura familiar; etanol para o mundo e, na voragem de novos slogans, pré-sal para todos.

Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo “Brasil potência”. Até mesmo a apologia da bomba atômica como instrumento para que cheguemos ao Conselho de Segurança da ONU – contra a letra expressa da Constituição – vez por outra é defendida por altos funcionários, sem que se pergunte à cidadania qual o melhor rumo para o Brasil. Até porque o presidente já declarou que em matéria de objetivos estratégicos (como a compra dos caças) ele resolve sozinho. Pena que tivesse se esquecido de acrescentar “l’État c’est moi”. Mas não esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos de aviões de caça para defender “nosso pré-sal”. Está bem, tudo muito lógico.

Pode ser grave, mas, dirão os realistas, o tempo passa e o que fica são os resultados. Entre estes, contudo, há alguns preocupantes. Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites. Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo. Este último tem método. Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados. Foi no “dedaço” que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI. Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições, sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão. Estes são “estrelas novas”. Surgiram no firmamento, mudaram de trajetória e nossos vorazes mas ingênuos capitalistas recebem deles o abraço da morte. Com uma ajudinha do BNDES, então, tudo fica perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.

Ora dirão (já que falei de estrelas), os fundos de pensão constituem a mola da economia moderna. É certo. Só que os nossos pertencem a funcionários de empresas públicas. Ora, nessas, o PT, que já dominava a representação dos empregados, domina agora a dos empregadores (governo). Com isso, os fundos se tornaram instrumentos de poder político, não propriamente de um partido, mas do segmento sindical-corporativo que o domina. No Brasil, os fundos de pensão não são apenas acionistas – com a liberdade de vender e comprar em bolsas – mas gestores: participam dos blocos de controle ou dos conselhos de empresas privadas ou “privatizadas”. Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições. Comecei com para onde vamos? Termino dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo antes que seja tarde.

ALGUNS COMENTÁRIOS:

1. Elio Gasperi, jornalista, em artigo intitulado: FHC Expôs o Lado Sombrio do Poder Petista:

“Fernando Henrique Cardoso está em grande forma. Num artigo intitulado ‘Para onde vamos?’ mostrou que é a única voz articulada com coragem para acertar a testa de Nosso Guia. (...)

Seu argumento central faz todo sentido: Lula está construindo uma teia de alianças e interesses que desembocará num "subperonismo". (...) O ex-presidente adverte para a formação de um novo ‘bloco de poder’, interessado num continuísmo que deve ser contido, pelo voto, ‘antes que seja tarde’.

Em dois momentos o ex-presidente teve a infelicidade de comparar atitudes do atual governo com práticas do tempo do "autoritarismo militar". Lula, com seus ‘impropérios’ é capaz de ‘matar moralmente empresários, políticos, jornalistas’. O ex-presidente exagerou”.

2. Carlos Guilerme Mota, historiador, na entrevista O risco de uma nova marcha autoritária, Gazeta do Povo, 09/11/09:

Pergunta: O ex-presidente FHC acertou ao dizer que o governo Lula conduz o Brasil para um subperonismo?

Resposta: “Prefiro definir o cenário como um superpresidencialismo desbussolado e pitoresco. A nação assiste, bestificada, à montagem de um novo bloco de poder. O tratamento dado ao segmento social que o governo entende por povo tem algo em comum com o dos descamisados de Evita e de Perón, mas é pior”.

Pergunta: No que é pior?

Resposta: “Porque o populismo de Perón politizava, e o pobrismo daqui avilta. O assistencialismo brasileiro é deprimente, pois trata esses condenados da terra como fracassados. E as condições de melhoria social – tão sonhada e ensinada por figuras como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro ou Florestan Fernandes – são pífias. Aqui o capitalismo andou para um lado e a política social andou para outro. Basta ver que o governo não consegue encaminhar a questão dos sem-terra, por exemplo.(...)”.

3. José dos Santos, em http://joseagripino.wordpress.com/2009/11/04/para-onde-vamos-de-fernando-henrique-cardoso/

Como bem disse Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra.

Porém, podem me bater, o FHC foi mais importante pro país do que Lula, e Lula sabe disse. O FHC implantou mudanças estruturais no país. E o Lula, o que mudou na superestrutura do país? (...)

O grande pecado do FHC: privatizações. Foi a coisa mais demoníaca que o FHC fez. E o Lula, quantos empresas reestatizou? 0x0. Ou seja, o Lula é mais “privatista” do que o FHC, pois apenas chancelou o grande pecado do FHC. Por que não seguiu o exemplo do Chaves? O Chaves foi coerente, pois, ao contrario do Lula, estatizou (...).

Eu morei no interior do Pará antes e depois da CELPA ser privatizada. Simplesmente era impossível ter freezer. Assim que congelava, acabava a luz e todo que tinha lá o povo tinha que engolir correndo, se não estragava tudo. (...)Tá precisando cortar a grama, como falar com o cara. Só pegando o carro e indo atrás dele. Hoje, dá pra chamar o cara tanto em casa como na rua: a miragem estatal do telefone pra pobre, acabou. Ele tem celular e linha fixa.

Aliás, as estatais que ficaram, serviram, principalmente, pra cabide de emprego. (...) E o requisito pra contratar esses caras, tenho certeza, foi só e apenas “mérito”, não é verdade? (...) Já imaginou se o FHC não tivesse privatizado aquele monte de estatais? Cara, ia ter petista saindo pelo ralo.(...) Um dos motivos da Petrobras ter que fazer empréstimo no BNDES (inacreditável) foi o inchaço da estatal. Aliás, foi a estatal que mais “ajudou” os “companheiro”. (...)

Ah! a Vale foi vendida abaixo do valor de mercado. Qual o melhor parâmetro pra saber o valor de mercado de qualquer bem? Colocar à venda, é obvio. O preço pelo qual é vendido é valor de mercado. Aliás, não teve venda mais divulgada, até hoje, do que a Vale. Todo mundo sabia do Leilão. (...) Pergunto: como pode ter malandragem na venda da Vale? (...) E a EMBRAER? Tornou-se a 3.ª maior fabricante de aviões. Pergunto: vocês acham que foi ruim o FHC “entregar” a EMBRAER pros malvados capitalistas?

O maior mérito do Lula, com certeza, foi na economia. Quem é que promoveu as mudanças necessárias pra arrumar a economia? Não preciso dizer, todo mundo sabe quem foi. (...)Um avanço importante na educação foi estabelecer uma prova universal para todo mundo que acabava o ensino médio e superior. Também mudou de nome. Era “provão”, agora é... esqueci o nome, me lembrem.

4. É bom lembrar e eu lembro bem de uma decisão tomada contra membro de sua própria família. Seu filho era casado com uma herdeira do Banco Nacional. Ele, como Presidente e com o objetivo de sanear o sistema bancário nacional, para que não acontecesse o que aconteceu recentemente nos EUA e no mundo, decretou a falência do Banco da família Magalhães Pinto. Do mesmo modo, assinou o encerramento das atividades do Banco Bamerindus de propriedade do senador paranaense, José Eduardo de Andrade Vieira, ministro da Indústria, Comércio e Turismo (out.1992/dez.1993) e cumulativamente de set./1993/out. 1993 com o Ministério da Agricultura, no governo Itamar Franco e, portanto seu colega de Ministério. Depois, Andrade Vieira participou do governo de Fernando Henrique Cardoso, no cargo de Ministro da Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrária de jan.1995/maio 1993. Este banqueiro e político paranaense, grande amigo pessoal de Fernando Henrique e que foi participante ativo e grande financiador da campanha para a eleição do próprio Fernando Henrique à presidência da República, teve seu Banco e de sua família liquidado. Com a decretação do fim do Banco Bamerindus, o banqueiro teve todos seus bens, como os da sua família, tornados indisponíveis. Os ativos do Bameríndus de que Eduardo Vieira era Presidente foram transferidos para o grupo HSBC.

5. Com estas medidas e outras liquidações, o governo de Fernando Henrique Cardoso conseguiu sanear o sistema bancário brasileiro e nenhum depositante teve prejuízo, porque antes, como presidente da República, FHC havia criado o PROER - Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional.



JAYME FERREIRA BUENO, 10/11/2009

07 novembro, 2009

Algumas falas...













"O Rio de Janeiro não é violento"
[Depois, lamentou-se...]

José Mariano Beltrame secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro




“Que bom companheiro Arruda que a gente tenha uma polícia ganhando um salário razoável, que a gente tenha uma polícia ganhando aquilo que merece e uma polícia do ponto de vista da sua formação profissional muito mais qualificada. Para que a gente tenha a certeza que a única hipótese de a gente não ter um policial levando propina da bandidagem é o policial ganhar o suficiente para cuidar da sua família”



Luiz Inácio Lula da Silva - Presidente.









Imagem disponível no Google

04 novembro, 2009

Claude Lévi-Strauss

“O antropólogo é o astrônomo das ciências sociais: ele está encarregado de descobrir um sentido para as configurações muito diferentes, por sua ordem de grandeza e seu afastamento, das que estão imediatamente próximas do observador.”
“Anthropologie Structurale”, 1967



" O sábio não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é quem faz as verdadeiras perguntas".
"The Raw and the Cooked", 1964.




“A linguagem é uma razão humana que tem suas razões, e que o homem não sabe.” –
“La pensée sauvage”, 1963.



“Nada se parece mais com o pensamento mítico que ideologia política.” –
 “Anthropologie Structurale”, 1967.



“A humanidade está constantemente às voltas com dois processos contraditórios, um tende a criar um sistema unificado, enquanto o outro visa manter ou restaurar a diversificação.” –
“Race et histoire”, 1952.






Sugestão de Leitura - Blog do Prof. Jayme Bueno:

http://jaymebueno.blogspot.com/2009/11/claude-levi-strauss-pensador-frances-e.html



Vale a pena conferir!

22 outubro, 2009

PRÊMIO NOBEL - HERTA MÜLLER – OBRA POLÍTICA - Por Jayme Bueno



PRÊMIO NOBEL - HERTA MÜLLER – OBRA POLÍTICA








Herta Müller, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura - Capa da edição alemã – Capa da tradução brasileira



1. Prêmio Nobel – o teor político

Este prêmio foi instituído em 1895, pela vontade expressa em testamento de Alfred Nobel (1833-1896), industrial sueco. A partir da nitroglicerina, Nobel patenteou a hoje conhecida dinamite. A fortuna adquirida pelo industrial com o novo produto foi destinada à criação de uma fundação e de um prêmio. Ambos, fundação e prêmio, mais tarde, em memória de seu fundador receberam o nome de Nobel.

Os prêmios concedidos oficialmente pela Fundação Nobel são apenas cinco: 1. Medicina, 2, Física, 3. Química, 4. Literatura e 5. da Paz. O de Economia, cujo nome verdadeiro é Prêmio de Ciências Econômicas Sveriges Riksbank em Memória de Alfred Nobel, não é de responsabilidade da Fundação Nobel. Foi instituído em 1968 pelo Banco Central da Suécia, instituição que concede o prêmio com dinheiro próprio e começou a ser atribuído em 1969. Só como uma homenagem, o prêmio de Economia pode ser chamado de Prêmio Nobel.

Nas cinco categorias oficiais, o Prêmio Nobel começou a ser concedido em 1901. Inicialmente, e por vontade de Nobel, deveria ser entregue a jovens cientistas que necessitassem de uma ajuda financeira para se dedicarem inteiramente às pesquisas. Mais tarde, a Fundação, por medo de críticas por poder atribuir a alguém que não viesse a se destacar na área de sua atuação, passou a concedê-lo a pesquisadores, intelectuais ou pessoas importantes com obra já publicamente reconhecida. Assim, o objetivo fundamental do prêmio foi de certo modo desvirtuado.

A atribuição do Prêmio passou também a assumir um caráter político, de acordo com as tendências do momento. No caso do Prêmio de Economia, A Fundação Humboldt, uma das mais renomadas instituições de apoio científico da Alemanha, tem concedido o Prêmio sistematicamente a economistas humboldtianos. “Os Nobel de Economia de 2009, assim como outros 41 ganhadores do prêmios Nobel, são ‘humboldtianos’". O presidente do comitê que outorga o Prêmio procura defender-se ou, ao menos, abrandar a situação, quando declarou à France Press: "as tendências políticas dos ganhadores do prêmio são muito variadas. Alguns são claramente conservadores ou de direita, enquanto que outros são obviamente de esquerda, ou pelo menos do centro do espectro político”.

Em 1905, o Prêmio da Paz foi concedido a Bertha von Suttner, não só uma pacifista, como a pessoa que inspirou ao seu amigo Alfred Nobel a criação do prêmio. Foi considerada na época a figura máxima do movimento pacifista em todo o mundo. Ela lutava intensamente contra o fanatismo nacionalista, contra o militarismo que começava a tomar corpo no início do séc. XX, mas principalmente contra o anti-semitismo.

No caso específico da concessão do Prêmio de Literatura neste ano a Herta Muller, a Academia justifica com um argumento literário e ao mesmo tempo político, quando afirma que a obra: “com a concentração da poesia e a franqueza da prosa, descreve a paisagem dos despos¬suídos”. Acrescenta mais um argumento, este somente político: O Comitê “reconheceu uma auto¬ra que se recusou a deixar o lado inumano da vida sob o comunis¬mo ser esquecido, 20 anos depois do fim do conflito Leste-Oeste”.

Lya Luft, a tradutora da versão portuguesa de Heute wär ich mir lieber nicht begegnet, declara sobre o Prêmio: “Prêmios de literatura são em geral muito estranhos”, e acrescenta: “Muitos (autores premiados) não são interessantes, nem muito bons, e a gente não sabe por que ganha”.

2. A escritora romeno-alemã Herta Müller

Herta Müller nasceu em 17 de agosto de 1953, em Nitzkydorf, um vilarejo da região de Banat, na Romênia. Aí se localizava uma grande comunidade de imigrantes alemães, conhecidos por Donauschwaben, os “suábios do Danúbio”. Na época do Nazismo, muitos romenos de ascendência alemã foram deportados para campos de trabalhos forçados na União Soviética. Dentre eles, encontrava-se a mãe de Herta Müller, que passou cinco anos na região da Ucrânia. Em livro atual, Atemschaukel (“Ritmo da respiração”), Herta Muller retrata o exílio desses romenos na URSS.

Entre os anos de 1972 e 1976, Herta Müller estudou filologia germânica e românica em Temeszwar (Timisoara), a capital da região de Banat, na Romênia. Nessa época, ingressou no Aktions-gruppeBanat, que reunia intelectuais que se opunham ao regime de Ceausescu e lutavam pela liberdade de ex¬pressão.

Depois de 1976, passou a trabalhar como tradutora em uma fábrica de máquinas. Logo, porém, é despedida por não aceitar colaborar com a policia secreta do regime romeno, a Securitate. Passa, então, a trabalhar como professora. Também por motivos políticos, foi impedida de exercer esta função.

As suas más experiências com a polícia secreta do regime comunista da Romênia vão-se tornar o tema da sua vida. Os livros de Herta Müller descrevem, de forma crítica, o tempo da ditadura de Ceausescu, contituindo uma espécie de ajuste de contas com esse passado tenebroso.

O primeiro livro de Herta Müller, Niederung (traduzido como Depressões) são contos que focalizam a vida no pequeno vilarejo onde nasceu com o cenário de repressão que se vivia ali. A obra foi censurada pelo governo comunista. Em 1984, a obra foi contrabandeada para a Alemanha, onde fez sucesso. No mesmo ano, ela lançou na Romênia Drückender Tango (traduzido como Tango opressivo). Dentro do mesmo espírito de crítica à situação política, o livro foi também proibido, e a autora passou a ser proibida de voltar a publicar. Perseguida pela ditadura romena, Herta e seu marido emigraram para a Alemanha em 1987. Dois anos depois, caiu o regime comunista de Ceausescu.

Contabilizados os prêmios que não foram atribuídos por alguma razão geralmente guerras - anos de 1918 e de1940 a 1943) e considerando as vezes que o prêmio foi atribuído a dois ganhadores em uma mesma edição (1904, 1917, 1966 e 1974), Herta Müller assumiu o número107 na lista dos ganhadores do Nobel de Literatura. Herta Müller tornou-se a 12.ª mulher a receber o Prêmio.

Dentre suas obras principais, além das duas primeiras, já referidas, destacam-se: os romances Der Fuchs war damals schon der Jäger,1992 (“A raposa era o próprio o caçador”), Herztier 1994 (“Animal do coração”) e Heute wär ich mir lieber nicht begegnet,1997 (“Hoje eu não gostaria de me encontrar”), obras que, segundo o Comitê do Prêmio: “apresentam, com detalhes primorosos, um retrato da vida sob a estagnação da ditadura”. Além desses: Der Mensch ist ein groβer Fasan auf der Welt, 1986 (“O homem é um grande faisão sobre a terra”); Barfüβiger Februar, 1987 (Fevereiro descalço); Reisende auf einem Bein, 1989 (“Viajante em uma perna”); Der Teufel sitzt im Spiegel, 1991 (“O diabo está no espelho”); Eine warme Kartoffel ist ein warmes Bett, 1992 (“Uma batata quente é uma cama quente”); Der Wächter nimmt seinen Kamm, 1993 (“O vigia pega o seu pente”); In der Falle, 1996 (Na armadilha); Im Haarknoten wohnt eine Dame, 2000 (“No nó do cabelo vive uma senhora”); Heimat ist das, was gesprochen wird, 2001 (“Pátria é o que é falado”); Der König verneigt sich und tötet, 2003 (“O rei se inclina e mata”); Die blassen Herren mit den Mokkatassen, 2005 (“Os pálidos homens com as xícaras de cafezinho”); e Atemschaukel, 2009 (“Ritmo da respiração”). Há ainda um livro de ensaios Hunger und Seide,1995 (“Fome e seda”).

As suas obras vêm sendo traduzidas para o inglês, espanhol, francês e sueco. A única obra em português é a tradução brasileira de Heute wär ich mir lieber nicht begegnet feita por Lya Luft, escritora também nascida em reduto de fala alemã, aqui no Brasil, no interior do Rio Grande do Sul. Foi publicada pela Editora Globo, em 2004. Nessa obra, a escritora retrata as dificuldades e as humilhações vividas por ela na Romênia da época comunista. Na edição brasileira, a obra recebeu o título de O Compromisso, contra a vontade da própria tradutora, que desejava algo mais próximo do título alemão, que é algo como “Hoje eu não desejava me encontrar”. Muitos traduzem, porém, como “Hoje eu não gostaria que me encontrassem”. Os que o fazem assim talvez tenham sido influenciados pela história de perseguição que a personagem vive na obra.

O título brasileiro O Compromisso teria sido escolhido pela Editora, levada pela tradução americana, em que a obra se intitula The Appointment. É interessante notar que em francês o livro recebeu o título de La Convocation. A ideia de convocação aparece já no início da narrativa: “Eu fui convocada. Quinta-feira, dez em ponto. / Sou convocada cada vez com maior freqüência...”

É interessante notar que Lya Luft não deu nenhuma importância ao livro que traduziu. Chegou a dizer que, ao traduzi-lo, a obra de Herta Müller não chamou a sua atenção.

Ao receber a notícia que Herta Müller havia vencido o Prêmio Nobel de Literatura, a escritora brasileira teve uma reação como a de muitas outras pessoas: "nunca ouvi falar". Declarou ela: "Não me chamou muito a atenção. Esqueci dele. Não foi um livro particular para mim, nem nunca mais tinha ouvido falar da autora", disse Luft por telefone ao Globo. Alegou, porém, que o motivo do esquecimento foi o fato de o livro no Brasil ter saído com título diferente do que ela havia proposto. Não lembra exatamente qual foi o título que sugeriu, só sabe que era algo mais parecido com o título original. De modo crítico, a acrescenta: “Na minha opinião, não era um livro importante. Era só um dos muitos que já traduzi. Confesso que nunca pensei, ‘puxa, isso ainda vai dar o Prêmio Nobel’.”. Desculpa-se, porém, quando afirma não ser especialista em literatura alemã. Lya Luft já traduziu os escritores alemães Hermann Hesse (este também suábio, como Herta Muller); Thomas Mann (Prêmio Nobel de Literatura, 1929); e Günter Grass (Prêmio Nobel de Literatura, 1999). Para estes autores, a tradutira não economiza elogios. Porém, sobre Herta Muller e seu livro, ela reafirma de modo cáustico: “não tenho coisas interessantes para dizer”.

3. O político na obra de Herta Müller

A obra de Herta Müller na sua grande maioria busca retratar a vida sob a ditadura socialista de Nicolae Ceausescu na Romênia, principalmente as dificuldades, humilhações e sofrimentos infligidos aos imigrantes e mesmo aos próprios romenos que se colocassem contra o governo, ou mesmo que se negassem a colaborar com a Securitate, a polícia política. Herta foi uma dessas perseguidas, como havia sido a sua mãe na região da Ucrânia pelo regime comunista de Moscou.

Os dois livros, Niederungen (1982) e Drückender Tango (1984) têm como tema a vida dos habitantes de uma pequena cidade romena de maioria alemã. A autora serviu-se, como modelo, do vilarejo Nitzkydorf, onde nasceu e passou os seus primeiros anos de vida. Aí, as pessoas tinham de conviver com a corrupção, a intolerância e a repressão sem que puedessem expressar-se contra tal situação. Em obras mais recentes como Der Fuchs war damals schon der Jäger (1992), Herztier (1994) e Heute wär ich mir lieber nicht begegnet (1997), o tema é também a vida sob a ditadura que imperou naquele país até a queda de Ceasescu. Na última dessas três obras, um oficial da polícia secreta persegue e assedia uma trabalhadora de uma fábrica de roupas (A autora foi empregada em uma fábrica, na qual foi perseguida e depois despedida por motivos políticos). A personagem com frequencia é “convocada”, para ser interrogada em datas aleatórias e sobre acusações despropositadas e completamente sem sentido. Essa fixação na convocação torna-se um dos motivos condutores da obra. Assim, ela inicia o livro e sempre volta a essa ideia.

Vários outros de seus livros falam da vida da minoria alemã, sob um regime opressivo principalmente em três aspectos: falta de liberdade, intolerância racial e cultural, e a opressão dos homens sobre as mulheres.

Ao ganhar o Prêmio Nobel de Literatura Herta Müller declarou , sobre o conteúdo de seus livros:

1. “Ich bin überrascht und kann es noch immer nicht glauben, mehr kann ich im Moment nicht dazu sagen” – (“Estou surpresa e ainda não consigo acreditar; neste momento não consigo dizer mais nada.”).

2. “Minha escrita sempre tratou de como uma ditadura surge, como uma situação pode ocorrer em que um punhado de pessoas poderosas dominam um país e o país desaparece, e só resta um Estado”.

3. “Acho que a literatura sempre emerge de coisas que fizeram dano a alguém, e há um tipo de literatura em que os autores não escolhem seu assunto, mas lidam com um que lhes foi lançado - não sou a única escritora assim”.

No caso da tradução brasileira é interessante notar que a tradutora, Lya Luft, afirma que havia esquecido que fora ela quem traduzira Heute wär ich mir lieber nicht begegnet. Disse ela: “Só fui me recordando quando entrei na internet, lendo que trata de um dos grandes fantasmas da Europa, da opressão desses países. É uma personagem bastante kafkiana, com essa coisa persecutória da pessoa que se vê envolvida em uma situação a que não sabe como chegou, sempre muito fragilizada”.

Fica patente, assim, a inclinação política da obra de Herta Müller, principalmente após a leitura de um fragmento de O Compromisso.O trecho de Heute wär ich mir lieber nicht begegnet (1997), traduzido do alemão por Lya Luft e publicado no Brasil em 2004, é o que segue:



Eu fui convocada. Quinta-feira, dez em ponto.

Sou convocada cada vez com maior freqüência: às dez em ponto na quinta, às dez em ponto no sábado, na quarta ou na segunda. Como se os anos fossem uma semana, fico imaginando que depois do fim de verão logo teremos outra vez inverno.

No trajeto até o bonde os arbustos voltam a emergir através das cercas, com suas frutinhas brancas. Como botões de madrepérola costurados embaixo, talvez até terra adentro, ou como migalhas de pão. Para cabecinhas de pássaros com bicos tortos, as frutinhas são pequenas demais, mesmo assim penso em cabeças de pássaros brancos. E isso dá vertigem. Prefiro pensar em flocos de neve no capim, mas aí a gente se perde, e pensar em giz nos dá sono.

O bonde não tem horários fixos.

Penso que é ele que chega rumorejando, se não forem os choupos com suas folhas duras. Está chegando, o bonde, e hoje me levará logo. Estou decidida a deixar o velho de chapéu de palha embarcar na minha frente. Quando cheguei ele já estava na parada, sabe lá fazia quanto tempo. Não parece frágil, mas é magro como sua sombra, meio corcunda, e abatido. Não tem bunda para encher os fundilhos, nem quadris, só os joelhos marcam a calça.

Mas se no exato momento em que a porta do bonde se abrir ele resolver escarrar no chão, eu embarco antes dele. Quase todos os assentos estão livres, ele os examina com o olhar e fica de pé.

Como é que gente tão velha não fica cansada e insiste em ficar de pé mesmo quando se pode sentar. Às vezes, ouvimos os velhos dizerem: Já vamos ficar deitados tempo suficiente no cemitério. Mas nem estão pensando em morrer, e têm razão. Não há uma ordem fixa, jovens também morrem. Sempre que não preciso ficar de pé, eu me sento. Viajar sentado é como caminhar sentado. O homem me examina, é fácil perceber isso no carro vazio. Hoje estou sem vontade de conversar, senão perguntaria o que é que ele vê em mim. Nem se apercebe que seu olhar me incomoda. Lá fora passa metade da cidade, alternando-se entre árvores e casas. Dizem que gente de idade sente mais do que pessoas jovens. Talvez ele até perceba que hoje tenho na bolsa uma toalhinha de rosto e pasta de dentes, além de uma escova. Mas nada de lenço, pois não pretendo chorar. Paul nem percebeu como eu estava com medo de que hoje Albu pudesse me levar para a cela debaixo do seu gabinete. Eu não lhe disse nada; se acontecer, ele vai saber logo. O bonde anda devagar. O chapéu de palha do velho tem uma fita manchada, provavelmente de suor ou chuva. Como sempre, Albu vai me saudar com um beijo na mão molhado de cuspe.

O major Albu pega minha mão nas pontas dos dedos e aperta tanto minhas unhas que quase solto um grito. Beija meus dedos com o lábio inferior, o superior fica livre para poder falar. Sempre beija minha mão do mesmo jeito, mas ao falar, cada vez diz uma coisa diferente:

Ora, ora, hoje seus olhos estão inflamados.

Parece que você está ficando com buço, meio cedo na sua idade.

Ora, hoje a mãozinha está gelada, espero que não sejam problemas de circulação.

Ora, ora, sua gengiva está murchando como se você fosse a sua avó.

Minha avó não envelheceu, eu digo, ela nem teve tempo de perder os dentes.

Albu deve saber o que aconteceu com os dentes de minha avó, por isso menciona o fato.

Uma mulher sempre sabe como está sua aparência a cada dia. E que um beijo na mão, primeiro, não deve doer, segundo, não deve ser molhado, terceiro, deve ser dado nas costas da mão. Homens sabem ainda melhor do que mulheres como deve ser um beijo na mão, certamente também Albu. Toda a cabeça dele cheira a Avril, um perfume francês que meu sogro, o comunista de perfumaria, também usava. Nenhuma outra pessoa que conheço compraria esse perfume. No mercado negro custa mais do que um terno numa loja. Talvez se chame Setembro, mas eu sempre reconhecerei aquele odor amargo e fumacento de folhas queimando.

Quando me sento junto da mesinha, Albu vê que esfrego os dedos na saia, não apenas para voltar a senti-los, mas também para limpar o cuspe. Ele revira seu anel de sinete e dá um sorrisinho. E daí, a gente pode limpar o cuspe, ele seca sozinho e não é venenoso. Todo mundo tem cuspe na boca. Tem gente que cospe na calçada e esfrega com o sapato porque nem mesmo na calçada sedeveria cuspir. Albu certamente não cospe na calçada, ele banca o cavalheiro refinado nesta cidade onde não o conhecem. Minhas unhas doem, mas nunca ficaram roxas do seu aperto. Elas acabam se descontraindo, como acontece quando está muito frio e a gente entra num lugar quente. O veneno é eu acreditar que meu cérebro escorrega para a frente, sobre a cara. É humilhante, não há outra palavra, sentir-se descalça no corpo inteiro. Só que, quando a melhor palavra ainda não é suficiente, não se pode dizer muita coisa com palavras.

4. Comentário sobre o texto

Do ponto de vista político, pode-se perceber por este curto trecho de O Compromisso o ambiente de perseguição e terror em que se vivia na Romênia sob o domínio da ditadura de Nicolau Ceasescu. Mesclando aspectos sociais e psicológicos, a autora nos leva a acompanhar a trajetória da personagem com suas observações sobre principalmente um dos passageiros, o velho, que surge na narrativa como uma espécie de contraponto entre a velhice e a juventude. Há em meio à paisagem humana também a paisagem da natureza, as plantas, flores, pássaros. Sempre, porém, está a ideia do regresso do inverno. A personagem, pouco a pouco, vai antecipando o que pensa que irá acontecer na inquirição a que será submetida. Para isso, ela foi convocada mais uma vez. Segue firme e com o propósito de não chorar. Fica a pensar em seu companheiro Paul, de quem se despediu antes de seguir para a entrevista com o comissário Albu.

A constante convocação e os contínuos depoimentos que a personagem tem de prestar a um comissário “pegajoso” refletem por si sós uma forma de constante tortura. Tudo isso transfere à protagonista esse eterno sentimento de asco, de humilhação, de sentir-se de corpo despido e com o cérebro como se continuamente se deslocasse para a frente. Chega a sentir a impossibilidade de dizer com a palavra, seja ela qual for, o que realmente sente.

Esses aspectos contidos no trecho inicial de O Compromisso justificam o comentário do Comitê da Academia de Estocolmo ao anunciar a concessçao do Prêmio Nobel de Literatura de 2009: “com a concentração da poesia e a franqueza da prosa, descreve a paisagem dos despos¬suídos”. “A paisagem dos despossuídos” tem sido a forma usada pela imprensa, talvez por se considerar politicamente mais correta, para o texto original da Academia, que seria: “a paisagem dos errantes e perseguidos”.

10 outubro, 2009

SOLEDAD NO RECIFE - LIVRO DE URARIANO MOTA

SOL: A MÁRTIR DO PERNAMBUCANO URARIANO MOTA
(Luiz de Almeida)*

     Minhas lentes já estavam vencidas, prejudicando assim qualquer esforço para uma rápida leitura, mesmo tendo a prática da leitura dinâmica. Mas, ao receber o livro do meu amigo Urariano Mota, Soledad no Recife, não tive outra escolha após ler os textos do Alípio Freire e a apresentação do Flávio Aguiar: Primeiro fui passar um novo café, conferir o maço de cigarros e ajeitar o abajur ao lado da escrivaninha. Enquanto a água fervia, lembranças já vagaram e divagaram pela mente: ditadura militar, 1970, Grêmio Estudantil Guilherme de Almeida e o grande jornal “Cadelão Taimes” (Não é erro de digitação, o jornal tinha esse “nome”), DOI/CODI, OBAN, Cemitério Dom Bosco no Distrito de Perus/SP, assassinato do José Maria Ferreira Araújo (ou Edson Cabral Sardinha), assassinato do jornalista Luiz Eduardo Merlino (SP), Mário Alves (RJ), o sumiço do Rubens Paiva, e... Mentira, traição e medo. Um resíduo de raiva parecia renascer dentro do peito trazendo a execrabilidade da minha paz interior.
     Nas primeiras páginas não consegui discernir o escritor do personagem. Vibrei. Ele seria ele uma testemunha ainda viva? Aos poucos essa pré dedução foi sendo desfeita pela imaginável fisionomia facial e contornos corporal de Soledad. Daniel seria apenas um coadjuvante. E fui degustando página a página, um café, outro cigarro, divagações entre uma tragada e outra, novas lembranças... Meu Deus, quatro horas da madrugada e só então percebi que havia parado de ler na página 86. O café não desceu e com as mãos trêmulas, mal consegui ascender mais um cigarro. Um trepidar incontrolável dos lábios, soluços e lágrimas. As palavras do cabo Anselmo descritas por Urariano fizeram-me estremecer de raiva. Episódios de traição maligna medraram na minha mente. Lembrei-me do episódio do “Cadelão Taimes”, onde eu e meus outros amigos fomos abandonados por um “anselmo” do grupo que se passava por amigo, justo nas ocorrências da censura e prisão do Jornal. Descobria ou relembrava, não sei até agora discernir corretamente, que aqui em Piraju também existiu e ainda vive um traidor com atitudes similares às do mentiroso, covarde e traidor cabo Anselmo, pois no momento do aperto, enquanto éramos “solicitados” para deixar a escola e chamados para depoimentos, como fui no DOI/SP, o borra-botas fugiu. E continua assim até hoje, mentiroso e traidor. Apesar de tudo: sinto pena, pois ao vê-lo pelas ruas só consigo avistar um derrotado e sem prestígio, e que ainda se presta ser boi-de-piranha no meio político daqui. É ainda daqueles que mente e acredita nas suas próprias mentiras.
     Mais calmo, retomei o livro e custou-me parar de virar e desvirar as páginas 89 até a 86. Aquelas imagens de Soledad me cativaram. O sorriso estampado numa face sincera reflete bem o eu interior daquela mulher. Sorriso igual só havia visto em 1970, na face de outra mulher, minha mãe, de nome Zita, ao ver-me entrando portão adentro retornando de São Paulo após uma noite e um dia de privação no DOI, ocasião que fui salvo pelo meu tio Luiz Alves de Almeida, um sargento da antiga polícia Metropolitana e participante ativo da OBAN, que somente em 2007 fiquei sabendo que havia falecido. A causa-morte eu não sei até hoje.
     Li até a síntese biográfica. Já era dia. Meus olhos ardiam e a língua ficara áspera de tanto café e cigarros. Não estava com sono, mas ainda em estado de raiva e êxtase misturados. Esqueci da Sol e lembrei-me do Urariano. Voltei abrir o livro no “capítulo 13”: Um livro se constrói sob dificuldades – na penúltima linha onde Urariano cravou: “(...). Bem sei que autores não choram. Autor deve ser duro e frio. (...)”. Aqui, o único ponto que discordei do Urariano, pois se “autores” não choram, não têm o direito de fazer seus leitores chorarem.
     Está marcado para o final deste mês, provavelmente no dia 25, eu ler este livro novamente. Só que agora o lerei em voz alta e com platéia. Essa platéia é especial, pois será composta de apenas duas pessoas. Um casal amigo. Moram em Botucatu/SP. Ele é cego. Estudou comigo no colégio interno quando tínhamos 12, 13 anos. Em 1971, numa manifestação estudantil, estilhaços de uma possível granada desfiguraram seu rosto e a visão. Era um líder estudantil e cursava medicina. Hoje, casado com aquela que foi sua namorada desde 1970, escutei seus berros de alegria e urros e mais urros quando falei com ele ao telefone e contei sobre o livro do Urariano que acabara de ler. E ouvia sua esposa, ao seu lado, dizendo: é a Sol assassinada em Recife, é a Sollll... Confirma o livro é sobre a Sol. Perguntaaaa. E foi o que aconteceu. Confirmei ser realmente a Sol, Soledad Barrett Viedma.
     Fiz esse preâmbulo apenas para comentar sobre o Urariano e seu livro Soledad no Recife, lançado dia 29 de julho deste ano, pela Boitempo Editorial, São Paulo. É difícil falar do Urariano como pessoa, pois não o conheço pessoalmente, apenas pela Internet. Tive a honra de receber matéria de sua autoria para postar no meu Blog Retalhos do Modernismo. Mas, gostaria de tecer alguns comentários a respeito dele, primeiro apenas o meu Dileto Amigo Urariano “virtual”:
     - Percebi seu potencial quando me enviou o texto para postar no meu Blog. Antes de ler Soledad no Recife, conheci Urariano por foto, que postarei no final. Meu filho é fotógrafo profissional. Ele me ensinou que, tirando as pessoas que são modelos profissionais, nós, os simples mortais, sempre estampamos na fisionomia eternizada numa foto, todo o nosso eu interior e os nossos sentimentos mais aguçados naquele momento do clique da máquina. E nessa foto do Amigo Urariano, percebe-se, refletido na sua fisionomia, o seu interior inquieto e recheado de honestidade e justiça – grandezas essas que estão se escasseando dia após dia. Percebi sua satisfação e alegria por ter tido a coragem de ressuscitar a Soledad que existe dentro de cada um de nós, pelo menos dentro daqueles que não são “traíras”, medrosos e mentirosos. Urariano, meu amigo “ainda” virtual, ainda terei a oportunidade de um dia poder abraçá-lo – e que nesse dia haja Sol. Considero Você, Dileto Urariano, o Ernesto Cardenal Pernambucano (guardada as devidas diferenças de credo religioso).
     O Escritor Urariano: Sinceramente? Ao ler Soledad no Recife, fica difícil definir o estilo urarianico: um Romancista? Um Contista? Não seria ele um Poeta? Você, nobre Escritor Urariano, caso tivesse escrito o Soledad como auto (O Auto de Soledad no Recife), não teria tirado o efeito proporcionado pela belíssima forma utilizada. É indecifrável a forma do Soledad. Posso apenas cravar aqui uma única e ousada opinião pessoal:
     - “Você conseguiu com Soledad no Recife adentrar-se no rol dos escritores mais nobres deste país”.
     Dileto Urariano: concluo este meu artiguete feliz por ter tido a oportunidade de ler o teu Soledad no Recife e talvez ter sido, na minha edição, o teu primeiro autógrafo do lançamento. Parabenizo a Boitempo Editorial, pois sei muito bem que muitas outras grandes editoras não suportam esse estilo de texto. Acho que ainda existem Editores que tremem quando estão diante de textos que focam os delitos e os genocídios ocorridos no Brasil durante a ditadura pós-64. Não posso deixar de elogiar também a maravilhosa apresentação do Flávio Aguiar e a belíssima síntese do Alípio Freire.
     E ao Dileto leitor deste Blog: Caso ainda não teve a oportunidade de ler Soledad no Recife, procure adquiri-lo. Faça um bom café ou chá, e comece a ler num dia que não tenha nenhum compromisso, pois você não conseguirá parar. E não tenha vergonha de sentir raiva e chorar, pois a história é ficção, mas os personagens e os fatos foram e ainda são reais, assim como muitos outros fatos similares ainda não foram devidamente explicados – e que mais nenhuma “Sol” venha tornar-se mais uma “mártir” neste nosso país.


Urariano Mota com a filha de Soledad no dia do lançamento do livro - 29 de Julho de 2009 - São Paulo.
-x-x-x-x-x-
* (Luiz de Almeida (57): Piraju, São Paulo. Escritor e Pesquisador da Semana de Arte Moderna de 22 e Seus Personagens. Autor do livro de poemas ECOS. Moderador do Blog Retalhos do Modernimo - http://literalmeida.blogspot.com ).

04 outubro, 2009

GRACIAS A LA VIDA

"TODO POETA É UM PROFETA"

"O POETA FINGE NÃO CONHECER O QUE JÁ SABE"

CESARE PAVESE











Obrigado à vida que me tem dado tanto

deu-me dois olhos que, quando os abro

perfeitamente distingo o preto do branco

e no alto céu, o seu fundo estrelado

e nas multidões, o homem que eu amo.

.

Obrigado à vida que me tem dado tanto

deu-me o ouvido que, em toda a amplitude,

grava, noite e dia, grilos e canários

martelos, turbinas, latidos, chuviscos

e a voz tão terna do meu bem amado.

.

Obrigado à vida que me tem dado tanto

deu-me o som e o abecedário

e, com ele, as palavras com que penso e falo

mãe, amigo, irmão e luz iluminando

a rota da alma de quem estou amando.

.

Obrigado à vida que me tem dado tanto

deu-me a marcha dos meus pés cansados

com eles andei por cidades e charcos,

praias e desertos, montanhas e planícies

pela tua casa, tua rua e teu pátio.

.

Obrigado à vida que me tem dado tanto

deu-me o coração que todo se agita

quando vejo o fruto do cérebro humano,

quando vejo o bem tão longe do mal,

quando vejo no fundo do teus olhos claros.

.

Obrigado à vida que me tem dado tanto

deu-me o riso e deu-me o pranto

assim eu distingo a felicidade da tristeza,

os dois materiais de que é feito o meu canto

e o canto de todos, que é o meu próprio canto

.

Obrigado à Vida

Obrigado à Vida

Obrigado à Vida

Obrigado à Vida

.

de Violeta Parra



















*****






A cantora Mercedes Sosa faleceu aos 74 anos, neste domingo (4), em Buenos Aires, na Argentina. Ela estava internada desde 18 de setembro por causa de uma disfunção hepática. Porém, o quadro foi agravado com complicações cardiorrespiratórios.
Segundo o hospital Sanatorio de la Trinidad, onde Mercedes esteve internada, a intérprete sofria "disfunção renal progressiva". Em março deste ano ela já havia sido internada apresentando desidratação e pneumonia.
Mercedes é considerada uma das maiores cantoras argentinas. Este ano ela foi indicada à três Grammy Latino, pelo álbum "Cantora".
Biografia
Mercedes Sosa nasceu em San Miguel, na Argentina, em 1935. De origem humilde, a cantora cresceu admirando artistas populares e as canções folclóricas do país. Em 1960 já se destacava pela sua voz potente e deu início ao "Movimento Del Nuevo Cancionero", considerado precursor dos protestos através da música.
Seu talento chamou atenção da elite argentina, que não estava acostumado com o seu repertório. Ao longo de sua carreira chegou a gravar mais de 40 discos.
Em 1979, devido seu engajamento político, a cantora foi exilada de sua terra natal e teve que passar uma temporada em Paris, na França, e em 1980 mudou-se para Madri, na Espanha. Mercedes até poderia entrar e sair da Argentina livremente, mas foi proibida de cantar.
Três anos depois, "La Negra", como era chamada pelos fãs, pôde voltar ao seu país de origem para se apresentar. Na época, ela também veio ao Brasil divulgar o disco "Gente Humilde".
Com o fim da ditadura argentina, em 1984, Mercedes Sosa comemorou o retorno da democracia com o espetáculo "Corazón Americano", ao lado do brasileiro Milton Nascimento e León Gieco. Em 1988, ela gravou o disco "Amigos Mios", com participação de Pablo Milanés, Teresa Parodi, Cherly García, Raimundo Fagner, e outros.
No ano seguinte, Mercedes recebeu a medalha de Comendadora das Artes e das Letras do embaixador da França na Argentina, Pierre Décamps. Em 1992, recebeu homenagem de cidadã ilustre de Buenos Aires.
Em 2000, a cantora gravou a canção "Misa Criolla" que lhe rendeu um Grammy Latino.
O sucesso continuou e Mercedes seguiu com seus show até 2003, quando teve interromper a carreira por um problema cardíaco.
Dois anos depois, a estrela voltou aos palcos e conseguiu três indicações ao Grammy Latino em 2009, pelo álbum "Cantora".


FONTE: MSN ENTRETENIMENTO

26 setembro, 2009

Falando em poesia...

A poesia como ponto de partida.


Por Lau Siqueira


Nos últimos anos tenho acompanhado razoavelmente o debate acerca da importância da poesia, enquanto gênero literário. Em 2005, recebi uma provocação do Festival Recifense de Literatura. Fui “intimado” pelo poeta Pedro Américo, para falar sobre poesia e mercado. Na época, um período bastante atribulado da minha vida profissional, somente pude dar atenção ao assunto uns cinco dias antes da palestra. Fiquei um tanto atônito porque não existiam referências, praticamente. Encontrei apenas um texto de Geir Campos, de décadas e décadas passadas. Pois não é que em “Carta aos Livreiros”, o poeta relatava exatamente o mesmo drama vivido pelos poetas do século XXI, em relação mercado editorial? Acabei escrevendo um texto para orientar a minha palestra, que acabei publicando na revista Discutindo Literatura e em alguns sites.



Existe aí uma questão que tem me instigado bastante. Apesar de ser um gênero considerado não comercial, os fatos nos mostram que a poesia é um dos gêneros mais lidos. Do ponto de vista do mercado editorial, os poetas desafiam os best Sellers através do tempo. Por exemplo, ninguém lembra quem eram os Best Sellers da época em que Baudelaire circulava pelas ruas de Paris. No entanto, o poeta francês continua vendendo nas livrarias do mundo inteiro. A coleção “Melhores Poemas”, da Global Editora, apresenta índices invejáveis de vendas. Somente o poeta Mário Quintana vendeu bem mais de 100 mil exemplares. Na margem do mercado, os cordelistas da Paraíba, num dos últimos festejos juninos da capital, chegaram a vender 800 exemplares em único final de semana.



A recente pesquisa, já citada por mim no blog Pele Sem Pele algumas vezes, “Retratos da leitura no Brasil”, editada pelo Instituto Pró-Livro, em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, traz dados atualíssimos (de 2007) e impressionantes. A pesquisa foi coordenada por Galeno Amorim, ex-secretário de cultura de Ribeirão Preto-SP e editada também sob sua orientação, com textos de dez especialistas. Entre eles, nomes de conhecidos como Moacir Sclyar. Esta pesquisa aponta a poesia entre os cinco gêneros preferidos dos leitores. Considerando-se entre esses gêneros o romance, os livros didáticos, os livros religiosos e a literatura infantil. Também segundo a pesquisa, seis poetas aparecem entre os 25 autores brasileiros mais lidos no país. Vinícius de Morais é o quinto autor na preferência dos brasileiros, somente para se ter uma idéia de uma lista que traz nomes como Monteiro Lobato (o primeiro de todos), Machado de Assis, Ariano Suassuna, Paulo Coelho, Bispo Edir Macedo, Clarice Lispector, etc. Não contabilizo aí o paraibano Ariano Suassuna como poeta, apesar de escrever poemas e ter na sua obra, segundo ele próprio, uma forte vertente poética.



Em recente entrevista ao programa Letra Lúdica, da TV UFPB, falei sobre o livro Retratos da Pesquisa. No entanto, notei que o editor do programa o poeta paraibano José Antônio Assunção, forçava a barra para que eu falasse mais e mais dos números impactantes da poesia na pesquisa. Então, desenvolvemos muito mais uma boa prosa sobre o tema que sobre os desvendamentos da pesquisa enquanto diagnóstico da leitura no país. Observamos, por exemplo, que o jovem é o grande leitor brasileiro. De um modo geral, observa-se também que há uma empatia da juventude para com a poesia. Basta ver o imenso sucesso editorial do Livro da Tribo entre os jovens brasileiros, publicado anualmente pela Editora da Tribo(SP). Poetas como Paulo Leminski, Alice Ruiz e até mesmo Augusto dos Anjos, aparecem nitidamente na preferência da juventude.



Onde quero chegar?
Se algo podemos comemorar nos últimos anos é exatamente a multiplicação de certa “militância” favorável às políticas de leitura. Militância esta que tem sido encontrada tanto no setor público, quanto em iniciativas particulares. Podemos citar entre estas, a de um catador de papel em São Paulo que montou uma biblioteca com mais de 16 mil títulos, num prédio abandonado. Detalhe: os livros foram todos apanhados em lixos residenciais. O projeto Dulcinéia Catadora, também em São Paulo, trabalha oficinas de artes plásticas, leitura e edição, a partir da poesia, principalmente. São inúmeros os exemplos brasileiros que nos levam a acreditar que a poesia é um dos principais vetores para uma política nacional de incentivo à leitura. Uma ação transformadora que não deveria se limitar ao repasse de verbas, mas fundamentalmente, às possibilidades de articulação intersetorial e transversal, principalmente das áreas de educação e cultura.



Isso significa, logicamente, uma ousada transgressão ao que existe hoje em termos de política educacional. Roland Barthes já dizia que a Literatura contém muitos saberes. No entanto, segundo Afrânio Coutinho no Livro Notas de Teoria Literária, “o ensino da Literatura deve emancipar-se da história e da filologia, campos verdadeiramente distintos (...)”. Ele diz também que, “a Literatura vem sendo ensinada por professores, na maioria de português, de mentalidade predominantemente filológica, a Literatura é tornada um subsídio da língua, confundindo-se análise gramatical com análise literária, análise sintática com análise estilística.” O que estamos propondo é uma inversão nessa lógica para que a Literatura desfrute de um espaço próprio, trabalhando muito mais intensamente o que realmente nos interessa: o prazer da leitura. O caráter estruturante das políticas de leitura, seguramente, elevará os níveis de ensino. Afinal, um bom leitor dificilmente será um mau aluno.



Logicamente que temos aqui uma série de vontades íntimas. A maior delas é nos transformarmos em um continente de leitores. Não tenho a menor dúvida que a poesia cumpre, nesse aspecto, um papel introdutório de toda uma política pública para o Livro e a leitura. A boa poesia seduz o leitor para qualquer gênero literário. É muito mais fácil, por exemplo, um leitor de poesia entender obras como Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar, ou mesmo Ponto de Mutação, do Fritjot Capra. Pelo imenso grau de popularização da poesia, não estaríamos inventando a roda, mas fazendo-a andar mais rápido, como se diz por aí. Aliás, não podemos esquecer que a roda já está andando. Por exemplo, devemos reconhecer que há uma geração de professores nos cursos de Letras do país inteiro, trabalhando a literatura contemporânea em sala de aula (não apenas poesia). Ainda que predomine o conservadorismo acadêmico. Recentemente ouvi de um amigo que um professor iria fazer sua tese de doutorado sobre a sua poesia e foi desaconselhado por ser o meu amigo, um poeta desconhecido. Portanto, há muito que se avançar ainda em termos de “mudança de hábito”. Mas, as cartas estão na mesa e, não se enganem os incautos, o jogo já começou.



Visite os blogs do autor!




POESIA SIM - http://www.poesia-sim-poesia.blogspot.com/



PELE SEM PELE - http://www.lau-siqueira.blogspot.com/

23 setembro, 2009

A ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA NA ILHA DA UTOPIA


Holbein, Sir Thomas More (1527),
Frick Collection, New York







Por Jayme Bueno

1. O autor




Tomas More (1478-1535), mais conhecido pelo nome latino Thomas Morus, nasceu em Londres, quando já predominava o Renascimento nos países desenvolvidos da Europa. Com o retorno da cultura clássica, as ideias de Platão e Aristóteles passaram a dominar. Na Idade Média, os religiosos, principalmente Santo Agostinho (mais platônico) e São Tomás de Aquino (mais aristotélico) já haviam fundido o pensamento desses dois filósofos numa espécie de síntese filosófica e pedagógica, a Escolástica. Assim, o caminho se encontrava aplainado para que o pensamento dos dois filósofos pagãos fosse absorvido pela Igreja Católica.
Thomas More estudou latim, grego, lógica, astronomia, medicina, matemática e teologia. Frequentou as principais escolas da Inglaterra, inclusive Oxford, que era a mais avançada das universidades da época. De espírito religioso, vivia em orações e, inclusive pensou ingressar no sacerdócio. Frequentou algumas ordens religiosas, mas, ao final, decidiu-se por continuar a serviço da Igreja como leigo.
Recebeu o título de Sir e exerceu cargos na Corte de Henrique VIII. Conviveu com grandes pensadores, principalmente com Erasmo de Roterdam, autor de Elogio da Loucura. More, Maquiavel e Erasmo têm sido considerados os pioneiros da Filosofia Política.
Entrou em desgraça por não haver concordado com o divórcio de Henrique III. Foi preso e torturado. Morreu como mártir da Igreja e, mais tarde, em 1935, foi canonizado. É o santo padroeiro dos políticos e governantes, festejado no dia 22 de junho.



2. A obra



Thomas Morus escreveu prosa e poesia, em inglês e em latim. É autor de uma série de poemas - os English Poems; de obras históricas - História do rei Ricardo III; de textos religiosos - Diálogo do conforto na tribulação. Fez traduções, inclusive uma com Erasmo, Diálogos de Luciano. Foi, porém, no campo da Filosofia que produziu a sua obra-prima, a Utopia. Planejada em 1511, aos 32 anos de idade, só foi iniciada no ano de 1514, quando Morus esteve ausente de Londres. No ano seguinte, 1515, já em Londres, é que concluiu a obra que viria torná-lo famoso como filósofo, humanista e literato. Foi publicada em 1516.



3. A Utopia



O nome completo em latim é De optimo statu reipublicae deque nova insula Utopia (Sobre o melhor estado de uma república e sobre a nova ilha Utopia). Nela, Thomas Morus descreve uma ilha imaginária com base em histórias sobre os novos mundos que vinham sendo descobertos. A fonte principal foi o relato que lhe fez um viajante português, Rafael Hitlodeu. Nessa época, pelas muitas navegações empreendidas, eram comuns as narrativas de viagem, geralmente cheias de aventuras fantasiosas.
Thomas Morus, pelo contrário, procurou deixar bem claro que o que escreve é imaginário. Para tanto, emprega o recurso conhecido por ouvre à clef, obra em que as palavras são como chave para o entendimento do texto. Assim, o nome do narrador é Hitlodeu, algo como língua solta. A palavra utopia tem origem no grego (ou, não; topos, lugar, portanto, o não-lugar). Amaurota, o nome da capital, provém do latim Amaurotum, miragem. O rio que a banha é Anidra, o sem água. Os cidadãos da Ilha são chamados alopolitas, cidadãos sem cidade. Um dos príncipes é Ademos, aquele sem povo. Há, ainda, outras palavras que indicam esse caráter de não-existência.
Estruturalmente, Morus empregou o recurso do diálogo, muito comum na época do Renascimento. Dividiu a obra em duas partes, às quais denominou Livro I e Livro II. No primeiro, narra como, em Antuérpia, encontrou Pedro Gil, morador da cidade, pessoa muito afável. Foi ele que um dia lhe apresentou um velho viajante português da esquadra de Américo Vespúcio, que havia permanecido no Novo Mundo. Ali, conhecera muitos lugares e muitos povos. Dentre esses lugares, estava a ilha de Utopia. No segundo. o autor passa a narrativa para o próprio Rafael Hitlodeu. Transferindo a um outro a responsabilidade da narrativa, Morus, como pensador, fica livre para emitir opiniões sobre o relato, principalmente quando discorda de algumas coisas narradas.




4. A ilha da Utopia - cidades e população



Ao iniciar a sua narrativa, Hitlodeu descreve a dimensão e o formato da ilha. Avisa que a entrada do porto é muito perigosa, porque há abrolhos e bancos de areia. No meio da ilha, há um grande rochedo que pode ser avistado de longe. Por tal descrição, muitos aproximam a Utopia à ilha principal do arquipélago de Fernando de Noronha. Era por aí que os navegadores portugueses e espanhóis passavam ao se dirigirem para o Novo Mundo.
A Ilha foi descoberta e conquistada por Utopos, que humanizou os silvícolas e deu-lhes uma educação capaz de torná-la o lugar mais civilizado de todos. Os indígenas, devidamente motivados, tinham orgulho de participar da obra de construção de um novo país.
A ilha de Utopia tem cinquenta e quatro cidades. Cada uma delas está dividida em 4 quarteirões, uma espécie dos quartiers parisienses. Cada quarteirão tem um representante junto à administração central da cidade.
Nos arredores de cada cidade, localizam-se quatro hospitais, um para cada quarteirão. Encontram-se afastados para que seja mais fácil o atendimento a todos. São limpos, bem organizados e espaçosos o suficiente para o atendimento de todos que possam necessitar de cuidados médicos ou mesmo de isolamento.
A capital é Amaurota, não por ser a mais importante, mas porque se situa ao centro da Ilha e, portanto, mais fácil ao acesso para os representantes das demais cidades. São espaçosas e muito bem construídas com praças e jardins bem localizados. As casas são edifícios elegantes de três andares, com paredes externas de pedra ou de tijolo, e as internas de estuque. As janelas estão vedadas por vidros e por cortinas de fina seda. As casas estão sempre muito bem conservadas por quem habita nelas. Na Utopia, os moradores são apenas usuários e não proprietários.
Todas as cidades possuem os mesmos edifícios públicos, construídos de forma a melhor se adaptar ao local. Têm mais ou menos a mesma população, porque há um sistema de migração que supre aquelas, que, por qualquer motivo, estejam perdendo habitantes. As cidadessão médias, com 6.000 famílias cada.



5. A organização social da Ilha



Socialmente, a Ilha é muito bem organizada. A população é especialmente ordeira e trabalhadora. Como são estimuladas todas as profissões, os utopianos praticam aquela para a qual demonstram mais aptidão. Há, porém, prioridade para a agricultura, por ser ela a fonte de alimentação de um povo. Assim, todos os habitantes da Ilha têm de exercer essa atividade por algum tempo.
A agricultura da ilha é a mais desenvolvida de todas as regiões conhecidas. Os habitantes plantam de tudo, cereais, frutas. Criam as aves e os animais domésticos. Transformam os cereais em alimento; as frutas, em bebidas; tecem a lã e tiram o maior proveito possível da produção de ovos e de pintos. Eles chocam os ovos por um meio de calefação artificial. Quando os pintainhos rompem a casca são os homens que cuidam deles. Assim, as galinhas se tornam mais produtivas.
Os habitantes só são agricultores eventualmente, embora toda a população receba lições de agricultura. De tempo em tempo, os agricultores temporários são substituídos por outros que virão das cidades. Só permanecem aqueles que pedirem, por que gostaram da profissão e preferem viver no campo.
Aqueles que são intelectualmente afeito aos estudos, não são enviados para o campo. Ficarão estudando nas cidades, a não ser que queiram também participar, simultaneamente, das duas atividades. E aqueles do campo que se destacarem nos estudos poderão ser levados de volta à cidade, para aí continuarem os estudos.
Pelo fato de que todos trabalham, produzem sempre o necessário para todos os habitantes. Eles, porém, continuam a produzir bens para repassar aos que necessitem, ou mesmo a outros povos. Como não há moeda, o comércio é feito à base de trocas.
Os utopianos dividem muito bem o tempo de trabalho. As 24 horas do dia se repartem em seis horas para o trabalho utilitário, três horas antes e três depois do almoço; duas horas para descanso depois do almoço; e à noite, depois do jantar, ocupam o tempo com conversas sobre temas importantes e educativos. Reservam nove horas para um sono reparador. É assegurada a todas as pessoas uma justa distribuição de trabalho, para que o esforço não se torne estafante. Se tal acontecesse, seria uma forma de escravidão. Assim como deve haver tempo para os trabalhos materiais, deve haver também para as ocupações do espírito.
Os habitantes não se apegam aos bens materiais. O ouro e a prata se tornam materiais para ferramentas e outros objetos úteis, como argolas para prender os prisioneiros. As pedras preciosas não possuem valor, porque, argumentam eles, se é necessário consultar um especialista para saber se uma pedra é verdadeira ou falsa, tanto faz ser um diamante, como um pedaço de vidro. Esses materiais, porém, são guardados como tesouro para reserva em caso de necessidade. Em tempo de guerra, são empregados para contratar mercenários, ou então para subornar o inimigo.
A religião é livre na Ilha, mas grande parte aderiu ao Cristianismo. Buscam o batismo e os outros sacramentos. Ninguém, porém, pode ser castigado ou discriminado por motivo de credo religioso. Os padres da Utopia são de uma perfeita santidade. Em caso de guerra, sete deles acompanham os exércitos. Para substituí-los são nomeados outros sete. Os padres se casam e, para tanto, escolhem suas esposas entre as moças mais prendadas da população. As mulheres também podem exercer o sacerdócio, desde que viúvas e idosas.
Sobre a educação, ela é pública e totalmente gratuita. Os cursos começam a funcionar antes de o sol nascer, e é grande o número dos  que frequentam, mesmo sendo obrigatórios apenas àqueles que se dedicam às letras. As aulas são dadas na língua do próprio povo, que é muito rica, harmoniosa e elegante. É bastante parecida com o grego, mas também com o persa.
Os habitantes da Ilha estão dentre os mais cultos. Mesmo sem conhecer os grandes filósofos gregos, chegaram aos mesmos resultados. São inventivos e criam máquinas capazes de facilitar a vida e defendê-los do inimigo. Ironicamente, o narrador comenta que, quanto ao conceito de homem geral e universal, um dos temas preferidos da gíria metafísica, ninguém na Utopia pôde ainda perceber.
Como a Utopia tem seus fundamentos em filósofos adotados pela Igreja Católica - Platão principalmente -, o sexo só é permitido após o casamento. O adultério é punido com a servidão e se houver reincidência, a punição é a morte.
Os utopianos quando necessitam viajar, justificam os motivos e solicitam uma licença ao príncipe, que emite um documento no qual se estipula o tempo da viagem e o dia de regresso. Antecipavam-se assim aos atuais passaportes.



6 . A organização política da Ilha



A organização política da Utopia é mais simples e racional possível. As leis são poucas e muito claras. Tanto assim que não existem advogados. São os próprios interessados que se apresentam diante do juiz e sem rodeios apresentam sua defesa. Dessa forma, tornam-se críveis e honestos, o que facilita a decisão judicial.
Para reger politicamente a Ilha, todos os anos, cada cidade nomeia três velhos experientes e capazes – honestos todos são - como seus deputados. Eles se deslocarão para Amaurota, onde irão tratar dos assuntos de interesse de suas cidades e de todo o país.
Para os habitantes do campo também há uma forma de representação. As famílias agrícolas, que se compõem de pelo menos 40 pessoas, homens, mulheres e dois escravos, são governadas por um dos pais, geralmente o mais idoso. Trinta famílias formam uma unidade, que é dirigida por um filarca (grego filos, aquele que ama). Esses filarcas, também chamados sifograntes, são os magistrados. Dez sifograntes e as trezentas famílias por ele representadas obedecem a um protofilarca.
São os 1.200 sifograntes que, após um juramento no qual se comprometem a dar o voto ao mais capaz e mais virtuoso, escolhem por voto secreto o príncipe. A indicação inicial parte da própria população, que envia à corte uma lista com quatro nomes. O principado é vitalício, a não ser que o príncipe tente tornar-se um tirano.
Os príncipes sempre procuram pautar-se pela mais completa honestidade. Cada vez mais se preparam para melhor exercer a mais alta e a mais digna das funções do estado. Procuram seguir o que Platão disse: “A humanidade será feliz um dia, quando os filósofos forem reis, ou quando os reis forem filósofos” (p. 191).
Os protofilarcas são eleitos todos os anos, mas, a não ser que haja motivo justo, eles são reconduzidos. Dificilmente há mudança. São eles que se reúnem três dias por semana com o príncipe para tratarem dos assuntos de estado e para despacharem com a maior brevidade os pleitos apresentados. Os processos são raros, considerando-se que todos vivem em paz e harmonia.
Os sifograntes, como alguns outros, são isentos por lei do trabalho pesado. Porém, para darem o exemplo, eles preferem engajar-se em toda forma de serviço executado pelos demais trabalhadores. São dispensados do trabalho também aqueles estudantes aptos às atividades intelectuais e que estão dedicados apenas ao estudo por indicação de padres e dos sifograntes. Se algum deles, porém, não fizer bom uso do tempo e iludir a esperança do povo e de quem o indicou, será imediatamente transferido para a classe dos operários.
Os governantes são todos bem intencionados a ponto de preferirem ser como aquele general romano, Fabrício, que morreu tão pobre, que o estado teve de providenciar o seu funeral. Dizia ele: “prefiro governar ricos a eu mesmo ser rico” (p. 198). Considerando também que os habitantes da Ilha são todos politicamente educados, a Utopia pode desenvolver-se sempre em paz.



7. O destino da obra



A obra, produto do pensamento renascentista e, portanto, com fundo altamente humanístico, retrata o pensamento expresso por grandes pensadores que influenciaram a época. De modo geral, a filosofia é a de Platão, mas há também muito de Epicuro e de outros neo-platônicos. O pensamento religioso de Santo Agostinho (A Cidade de Deus) também se faz presente. Por outro lado, as idéias de como se deve governar têm muito do pensamento do contemporâneo Maquiavel.
Quando a obra de Morus surgiu, imediatamente alcançou enorme sucesso. Foi traduzida para as várias línguas culturais de então. Foi lida e comentada por todos. Ao lado de O Elogio da Loucura, de Erasmo, e de O Príncipe, de Maquiavel, a Utopia desfila entre as grandes obras do Renascimento europeu.
Teve, dentre outros, o mérito de exercer influência em várias obras, principalmente A Cidade do Sol de Dominico Campanella, publicada em 1602. Influenciou também muitas das doutrinas socialistas dos séculos seguintes.
Pode-se concluir, que, seja uma obra de crítica aos costumes de países desenvolvidos, principalmente Itália, Inglaterra e França. Pode também ser vista como uma obra de pensamento elevado. O certo é que Utopia não é uma simples obra, mas, uma tomada de posição diante dos acontecimentos políticos e sociais da época.
A obra trouxe um repensar sobre temas, como trabalho, honestidade, pureza de espírito, o que sem dúvida passou a exercer influência sobre os costumes e sobre organização social e política dos diferentes povos. Esse tem sido o destino de Utopia, de Thomas Morus.