26 março, 2010

UM ROTEIRO PARA MORAR NO FUTURO - Entrevista com Marc Giget, cientista social e economista


“O fato de praticamente todos os conhecimentos do mundo estarem disponíveis na internet libera os professores de uma parte de seu trabalho e lhes permite dedicar mais tempo à pedagogia, a projetos, a experiências”.

“A educação e o acompanhamento sanitário, interligados
pela formação e dinamismo econômico, são o único meio de resolver a pobreza e a exclusão”.


UM ROTEIRO PARA MORAR NO FUTURO - Entrevista com Marc Giget, cientista social e economista.



Cidades verticalizadas, casas com mais cômodos destinados a encontros e ao mesmo tempo com mais espaço de uso pessoal, um transporte mais limpo e ágil, uma alimentação mais verde e saudável. Nenhuma grande revolução à vista, mas mudanças significativas, já em curso. Esse é o prognóstico do que esperar das cidades em um futuro não muito distante, de acordo com o francês Marc Giget. Formado pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais e doutor em Economia Internacional pela Universidade de Paris, Giget é criador do Instituto Europeu de Estratégias Criativas e de Inovação, órgão dedicado a estudar o futuro das cidades. Hoje, Giget desembarca em Curitiba para fazer, na Federação das Indústrias, a palestra “Vida nas Cidades a partir de 2030”. Em entrevista à Gazeta do Povo, Giget antecipa temas de pesquisas urbanas desenvolvidas em seu instituto.

O que podemos esperar das cidades em 2030? Serão muito diferentes daquelas que conhecemos hoje?

As mudanças se concentrarão principalmente na melhora do consumo de energia, com ganhos globais de performance estimados em 40% da consumação atual. Os novos edifícios serão energeticamente autônomos e neutros em emissões de gás carbônico.

Estamos considerando também a chegada de cidades radicalmente novas, caracterizadas por serem menos horizontais e mais verticalizadas, ao contrário de cidades como São Paulo e Belo Horizonte, onde o perímetro urbano é muito vasto. Esse é o projeto das “Cidades Colina”, que apresentamos recentemente na Conferência Internacional de Cidades Inovadoras, realizada em Curitiba.

Ao contrário de outras instituições, a escola formal mudou pouco ou quase nada nos últimos séculos. Devemos esperar alguma grande mudança para a educação nos próximos anos?

A educação, sem dúvida, sofrerá mais transformações neste horizonte em razão, principalmente, da chegada de um grande número de novas tecnologias de informação extremamente eficazes e com custos que diminuem a cada dia. Muitas experiências estão em curso no mundo inteiro e apontam para uma melhora considerável em relação a esse tema, dando margens à formação de qualidade de um maior número de pessoas, onde quer que elas estejam e a todo momento. O fato de praticamente todos os conhecimentos do mundo estarem disponíveis na internet libera os professores de uma parte de seu trabalho e lhes permite dedicar mais tempo à pedagogia, a projetos, a experiências.

Devemos esperar uma grande mudança nas relações de trabalho?

As tecnologias de informação já começaram a mudar as relações de trabalho e isso se potencializará. Mas, em sua essência, quaisquer que sejam as novas tecnologias, as relações humanas continuarão sendo feitas de contatos físicos e trocas. A natureza do trabalho deverá evoluir com uma organização baseada em projetos, na cooperação entre pessoas e no uso de diferentes formas de parceria.

O que deverá mudar em nossas casas?

Em geral, as pessoas são muito apegadas aos domicílios tradicionais e não sonham com casas de alta tecnologia. Já existe uma evolução em curso – a do desenvolvimento sustentável das moradias. Em paralelo, as habitações devem se desenvolver trazendo mais conforto, permitindo, ao mesmo tempo, mais convivência nos cômodos destinados aos encontros e novos espaços de uso pessoal.

E em relação ao que comemos? Pode haver falta de comida? Teremos de adaptar a nossa alimentação?

Em nível global, há um risco muito pequeno de falta de alimento – salvo nas zonas de conflito. Mais que novos tipos de alimentos, teremos uma evolução verde, com uma alimentação mais saudável, com menos açúcar. Isso quer dizer, sobretudo, que teremos mais vegetais e mais variedade, com novos formatos e alimentos com um aspecto mais atrativo. A alimentação evolui, de fato, muito lentamente, em função das tradições. A tendência atual da obesidade, por exemplo, está ligada ao fato que de que os modos de vida evoluíram mais rápido que os hábitos alimentares.

Hoje, o trânsito é um dos mais importante temas de debate. O número de carros não para de crescer. Ninguém quer usar ônibus ou outro meio de transporte coletivo. Pedestres não têm espaço em nossa cidades. O que esperar do futuro? O caos ou uma grande mudança?

Um dos principais problemas é o extremo crescimento das cidades. As regiões metropolitanas estão se expandindo para muito longe do centro das cidades, exigindo a utilização de meios de transportes individuais, fazendo com que os transportes públicos sejam pouco eficazes e pouco atrativos nas zonas de habitação de baixa densidade. Mas estão chegando os meios de transportes – públicos e individuais – “suaves”, leves, ágeis, que gastam bem menos energia, permitindo assim um menor gasto e menos poluição.

A violência é uma das maiores preocupações da sociedade. Podemos esperar dias melhores?

Algumas tecnologias revolucionárias podem ajudar na luta contra a criminalidade, o que é um desafio para as democracias. É preciso meios e ações muito fortes, além de valores que abranjam toda a sociedade.

Que tipo de ação pode ajudar no desenvolvimento social das cidades?

Os principais vetores são a educação e o acompanhamento sanitário, interligados pela formação e dinamismo econômico, único meio de resolver a pobreza e a exclusão. É da emergência de novas atividades econômicas e industriais que vai nascer o crescimento tecnológico, permitindo um progresso considerável neste sentido.

Qual a sua impressão da cidade de Curitiba no presente e no futuro?

Na ocasião da conferência “Cidades Inovadoras”, que aconteceu há uma semana, pude ver e entender o quanto os gestores urbanos de outros continentes estão seduzidos por Curitiba. Eu estou muito confiante quanto ao futuro desta cidade, que já tem no seu ativo várias e belas realizações.

Para o futuro, seus grandes atributos são a extrema riqueza humana ligada a uma característica cultural única – fator determinante de inovação –, o diálogo e a troca entre as comunidades e as diferentes forças vivas da cidade para a construção do futuro.

Foi nesse sentido que o trabalho de reflexão “Cidades Inovadores Curitiba 2030” foi bastante apreciado. Há uma dinâmica empreendedora e uma renovação. Por fim, a abertura internacional crescente deverá consolidar a cidade como lugar de encontros internacionais para discutir a concepção do futuro, notadamente nas suas dimensões de desenvolvimento sustentável.



(CABRAL, Themys. Gazeta do Povo. Curitiba: 22/03/2010. Tradução: Antoine Moreau, Rafael Asinelli e Marilia de Souza)



*****

Colaboração para o blog do Prof. Jayme Bueno



20 março, 2010

OS ROYALTIES DO PETRÓLEO E DA PITOMBA - Por Urariano Mota*

A última votação do petróleo no Congresso Nacional gerou toda sorte de ignorância, casada e rimada com arrogância. A julgar pelo Jornal Nacional, teve início um combate do gênero todos contra o Rio de Janeiro. Segundo as imparciais reportagens, os estados da federação estariam tentando um assalto aos recursos naturais mais fluminenses que o Zé Carioca. No ar, além das imagens das lágrimas de Sérgio Cabral Filho, os brasileiros de todos os brasis viram fumaças de uma nova guerra de secessão. E com algumas ameaças: adeus, olimpíadas, adeus, Copa, adeus, colírio de nosso maior cartão postal. Mas se no parágrafo seguinte couber um breve recuo no tempo, veremos que o primeiro assalto foi cometido antes da votação, contra o espírito público.

Tudo começou com a proposta do governador Eduardo Campos, que sugeriu uma repartição mais justa – vale dizer, para todos os estados brasileiros - dos royalties do petróleo da camada pré-sal. Atenção, vocês leram bem: a idéia, ou a filosofia, como dizem os burocratas, era para os recursos do petróleo no pré-sal. Na proposta nada havia que mudasse as regras em vigor para os recursos mais cariocas que o Zé de Walt Disney. Em vigor? Sim, mas que balançaram depois das declarações do governador Sérgio Cabral, que se referiu a “roubo” dos royalties, quando ainda se discutia a partilha federativa das receitas do pré-sal. Então os 369 deputados “ladrões” responderam contra os 72 que julgavam ter eterno o velho vigor. A coisa, já antes, tamanha era a arrogância, já havia descido a perigosa ladeira do deboche. Em artigo na Folha de São Paulo, em dezembro de 2009, Ruy Castro tentara o caminho da sátira, da graça, um gênero em que lhe faltam graça e talento. Assim falou Ruy, o biógrafo de Nelson Rodrigues: "O Estado de Pernambuco é responsável por 85% da mangaba e da pitomba produzidas no Brasil. Um abençoado acidente geológico fez com que seu território fosse ideal para a exploração dessas frutas, que são boas de comer ou servem de base para sucos e sorvetes e respondem por boa parte da economia pernambucana.... Pois vamos supor que, de repente, o Rio, que só produz caju e banana, resolva unir-se a outros Estados que também não produzem mangaba e pitomba e, juntos, comecem uma campanha para que os royalties das ditas frutas destinados a Pernambuco sejam distribuídos por igual entre os Estados. A alegação é a de que Pernambuco não é dono do Brasil, que a mangaba e a pitomba pertencem a todos e que cabe à União socializar a dinheirama gerada por elas". Ora, brincadeira tem hora. O insigne Ruy Castro, ao escrever com a tinta da galhofa, naquele dezembro não soube nem viu que essa pitomba "base para sucos e sorvetes” tem um caroço desproporcional, que atrapalha qualquer voo gastronômico. A sua polpa – da pitomba – é fina, grudenta e avara, agarrada ao caroço de um modo tal que prejudica os mais saborosos sucos e sorvetes. Não teria sido melhor que o colunista, naquele dezembro, tivesse visto alguma vez uma pitomba? Mais: de onde Ruy teria retirado que, além de petróleo, o Rio só produziria caju e banana? O abacaxi, o coco e a laranja também mereciam e merecem um lugar no tabuleiro. E de que lugar ele concluíra, sei, era só um véu de alegoria, uma espirituosa aproximação, mas em que alegres trópicos as frutas pagariam royalties? Talvez nas terras em que pitombas pulassem na esteira rolante de indústrias revolucionárias. Sem caroço, limpas e puras, só polpa.

Voltando ao passado mais próximo, o fato é que Paulo Bernardo, o ministro do Planejamento, afirmou há poucos dias que “o pagamento dos royalties sobre as atuais reservas continua como está, mas haverá novas regras para as jazidas do pré-sal, em que todos os estados e municípios terão o mesmo direito. Não tem cabimento deixar que o petróleo explorado a 250 quilômetros da costa renda royalties para apenas um estado, um município”. A essa declaração pública, o governador Sérgio Cabral faz de conta que não é com ele. Na hora em que esta coluna se publica, ele chama para um ato público pela sobrevivência dos royalties em vigor. E dos que virão, pois grande é seu particular espírito público. Mas para maior clareza ele deveria chamar também, em alto e bom português: “o petróleo é nosso, brasileiros, mas o nosso aí é do Rio de Janeiro”.

*Urariano Mota, escritor e jornalista, autor de “Soledad no Recife” (Boitempo – 2009) seu último romance, indicado como um possível livro do ano pelo conceituado site Nova Cultura, elaborado e administrado na Alemanha, com os destaques literários da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa. É colunista do site Direto da Redação, edita o blog SAPOTI DE JAPARANDUBA http://urarianoms.blog.uol.com.br/
Urariano também faz parte de nossa equipe aqui "No Rastro da Educação Cultura e Política" e do blog "Juntos Somos Fortes"

18 março, 2010

Sistema de Cotas Raciais II

O texto sobre "as cotas" ainda não saiu.
Enquanto isso, mais uma repostagem: Razões.

O poema não fora escrito sob a "inspiração da imagem". Eu nunca faço isso [nada contra]. Escrevo e busco a imagem depois. Nem tampouco sob a inspiração do tema desta postagem. Contudo me pareceu apropriado, pois argumentos -  favoráveis ou desfavoráveis - faltam para sustentar discussões e até pensamentos...








Razões



Em cada ser, suas razões.
Sendo estas a empreender-lhe ações.
Isto, por fim, explica quase tudo.

O que resta - de inexplicável -
está na opção por não se perceber
as razões alheias.

Estas, então, menores,
fazem toda a diferença.

A isto chamamos balança.
Ou justiça.

Taninha Nascimento


16 março, 2010

Sistema de Cotas Raciais I

Pensei em escrever um artigo sobre a polêmica questão do Sistema de Cotas Raciais.
Ainda não consegui.
Então, reposto um poema do blog " No Rastro da Poesia... " onde a tela de Tarsila não foi o motivo da inspiração, mas me reporta a esta e outras "ene" questões.


Operários, de Tarsila do Amaral: um retrato da miscigenação brasileira








à mercê



reverberar o breu opaco
do silêncio da voz

- à mercê de palavras

cheias de vazios em cada signo

traduzido em sons -,

é o que posso dizer da cor

das tuas e das minhas íris - que envolvem

nossas pupilas atentas à justiça que tarda

e falha desde vinte dois de abril de mil e quinhentos.







ah, nossos olhos... tão mudos e atentos...



por taninha nascimento