19 novembro, 2010

"Inexistência cigana"


Um dos melhores e emocionantes discursos que já ouvi...
Minha homenagem:

Agência Senado - 19/11/2010 - Marlete Queiroz diz que ciganos fazem 'um Brasil invisível'

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A SRª MARLETE QUEIROZ – Bom dia, Presidente, Senador Paulo Paim, a todos que compõem a Mesa, aos senhores e senhores que estão presentes no plenário.
Senador Paulo Paim, para mim é uma honra sentar ao seu lado, pela pessoa digna que o senhor é. Tenho certeza de que Deus, Senador, continuará lhe abençoando e lhe protegendo, porque o senhor é um ser humano muito especial. (Palmas.)Eu quero apresentar a vocês um Brasil invisível, um Brasil que a maioria não conhece. Eu quero apresentar a vocês o Brasil cigano, de ciganos que sempre foram considerados intrusos. O dogma nazista para os ciganos era “vidas indignas de serem vividas”. Houve também o holocausto cigano, onde em torno de 600 mil roms foram exterminados.
Por toda a Europa havia a política anticigana. Os ciganos foram escravizados durante 600 anos na Moldávia e Valáquia, que eram principados feudais onde hoje é a Romênia, e vieram para o Brasil no degredo de Portugal, no ano de 1750. Eles só podiam descer no Maranhão, onde havia muitos índios e muito mato. Então, os ciganos tinham que disputar esse espaço com os índios e não tinham o direito sequer à moradia, a estudo, e hoje estamos no ano de 2010.
Falo dos ciganos kalons, porque sou kalin, que são os ciganos de acampamento. Em torno de 800 mil ciganos neste País não são cidadãos porque não têm direito sequer a uma certidão de nascimento. È um Brasil cigano invisível, que ninguém conhece, um povo que precisa de dignidade, respeito e esperança. (Palmas.)Então, Senador, quero lhe agradecer mais uma vez porque, há mais ou menos um ano, estive aqui e pedi ao senhor que ressaltasse que este País é composto por brancos, negros, índios e ciganos e o senhor, após um único contato que tive com o senhor, pelo que acompanho de seus discursos e seus trabalhos, nunca mais deixou de citar os ciganos. (Palmas.)No dia 26 de maio, o senhor nos deu a oportunidade de ter a primeira audiência pública e de eu poder falar em nome dos ciganos de acampamento deste País.
É uma realidade muito dura. Quando procuramos alguns políticos – informo que são em torno de 800 mil ciganos que não têm sequer certidão de nascimento –, a resposta que tenho é a seguinte: “ah, então vocês não votam”. Então nós não somos importantes.
Mas eu quero lhe pedir, Senador, que nos ouça e seja nossa voz, a voz desses ciganos que precisam ser cidadãos. Nós ainda não estamos sequer num estado de discriminação. Acho que vai um pouco além, vocês não acham? Nós sequer existimos, somos invisíveis, não fazemos parte da sociedade. Ninguém nos ouve. Muitos dizem que ciganos gostam de ser nômades. Não é essa a nossa realidade. Nós não temos oportunidade de ter onde morar. “Ciganos roubam”. Aonde chega um acampamento cigano...
Eu não vou longe, vou falar de Brasília. Aqui estão em torno de quatrocentas famílias, crianças que nunca foram à escola, a maioria sem certidão de nascimento. Hoje, estamos nos organizando. Fundamos essa associação, cuja sede é em minha casa. Não podemos acampar mais de quinze dias em nenhum local, porque chegam as autoridades policiais, queimam as barracas, batem nos ciganos e os expulsam.
Então, nós precisamos ser ouvidos quanto às nossas necessidades. Eu aqui quero deixar bem claro: não estou falando da elite cigana, mas dos ciganos de acampamento, dos ciganos que não têm direito a nada, não do folclore que se cria em torno dos ciganos. Nós acreditamos em Deus e é por Deus que nós ainda existimos. (Palmas.)Neste País, no sul de Minas, houve as correrias ciganas: era a luta para exterminar os ciganos. Os ciganos não foram aceitos na sociedade e tampouco no País.
Nós não vamos constar, em 2010, no Censo do IBGE, porque foi um recenseador em minha casa, e ele me perguntou: “Parda, branca ou índia?”. Eu disse: “Eu sou cigana”. “Mas nós não podemos colocar no Censo”. Portanto, nós não existimos. Então, eu não acredito que nós somos discriminados; nós somos simplesmente invisíveis e queremos, Senador, ter esperança de fazer parte desta Nação, ter orgulho de sermos cidadãos brasileiros, porque nós amamos este País.
Nós trabalhamos na construção deste País; nós transportamos mercadorias; nós fazíamos as vendas nas nossas tropas; nós fomos responsáveis por muitas entradas e bandeiras deste país. Portanto, nós temos o direito de existir.
E eu vos peço, Senador, que abrace nossa causa, porque eu não vejo... E eu falo em meu nome, em nome de todos os ciganos de acampamento deste País, porque eles acompanham o nosso trabalho aqui em Brasília. E eles estão na esperança de que, daqui, todos os ciganos possam ter dignidade e seus direitos.
Eu agradeço pela oportunidade de estar nesta Casa, no Senado da República, com uma pessoa tão digna quanto o senhor.
Que Deus abençoe a todos nós e a esse povo cigano! Opcha! (Palmas.)








01 novembro, 2010

Solilóquio sem fim e rio revolto - Jorge de Lima


Solilóquio sem fim e rio revolto -


mas em voz alta, e sempre os lábios duros

ruminando as palavras, e escutando

o que é consciência, lógica ou absurdo.



A memória em vigília alcança o solto

perpassar de episódios, uns futuros

e outros passados, vagos, ondulando

num implacável estribilho surdo.



E tudo num refrão atormentado:

memória, raciocínio, descalabro...

Há também a janela da amplidão;



e depois da janela esse esperado

postigo, esse último portão que eu abro

para a fuga completa da razão.



Jorge de Lima

(1893-1953)



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