29 abril, 2009

A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E LINGUAGEM E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO - Colaboração do Prof. Jayme Bueno



Homem Vitruviano
Leonardo da Vinci, 1490
Lápis e tinta sobre papel
34 × 24 cm
Gallerie dell'Accademia
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

































A RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO E LINGUAGEM E PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
1 Introdução.
Hoje, quando vivemos novos tempos no modo de ver e de enfocar as diversas áreas do conhecimento, é comum ouvir-se falar de relação entre educação e linguagem, educação e literatura. O que, porém, não nos parece tão fácil é falar desse tema. Como tudo que envolve interdisciplinaridade, multidisciplinaridade e transdisciplinaridade, conceitos que surgem, transformam-se, ou mesmo desaparecem, e por isso intrincados e complexos, a aproximação entre educação e linguagem e, mais especificamente, entre educação e literatura, também apresenta esse mesmo grau de dificuldade.
Como sabemos pela própria história da educação, não foi sempre assim quanto a se falar do relacionamento entre os diferentes saberes. Cada área, cada disciplina se restringia, para não dizer que cada uma se fechava, em si mesma. O pensamento mudou, mudaram os paradigmas, porque mudou o mundo. As relações das pessoas e das organizações na sociedade agora são outras, diferentes de como eram. Vivemos, segundo dizem, a era da informação.
Esse movimento dialético de mudanças, porém, é de todos os tempos. Na literatura, os autores do Renascimento já poetizavam a mudança do mundo e a não mudança do que eles gostariam que mudasse: o sofrimento, a inconstância do amor, etc.
Vejam-se, como exemplos, estes versos de Camões (1980, v. 2, p. 257):
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades /
Muda-se o ser, muda-se a confiança: /
Todo o mundo é composto de mudança /
Tomando sempre novas qualidades. /
(...)
E, afora este mudar-se cada dia, /
Outra mudança faz de mor espanto, /
Que não se muda já como soía. /
Este artigo insere-se num ambiente de intercomunicação entre saberes, para participar da discussão do ensino e da aprendizagem da literatura. Enfim, é objetivo integrar-se ao estudo da problemática referente à relação entre educação, linguagem e produção do conhecimento.
Na prática, o presente estudo pode dividir-se em duas partes. Na primeira, colocam-se alguns aspectos da relação entre educação e linguagem, ou entre linguagem e educação, na dependência de essa relação ser vista da perspectiva de teóricos da educação ou sob o enfoque de lingüistas. Na segunda parte, apresenta-se a temática em um poema que inter-relaciona linguagem comumente tratada como científica com outra dita poética.
- O poema que será enfocado
A poesia moderna ou aquela surgida após os movimentos de vanguarda do Modernismo podem nos proporcionar, com mais propriedade, esse tipo de aproximação, o que resulta num estranhamento para usar o termo empregado pelos formalistas russos. (EIKHENBAUM, 1976). Segundo esses teóricos, era o estranhamento causado por certo tipo de linguagem, ou, como em alguns casos, a combinação de linguagens. Isso caracterizava a literariedade, ou seja, o ser literário, de um texto. No caso que será tratado é a aproximação ou a convivência de uma linguagem da área das ciências com outra mais conhecida em textos literários ou, especificamente, na poesia.
2 Educação e linguagem.
Barthes, na introdução de Elementos de semiologia, como fizeram os semiologistas e lingüistas de todos os tempos, enfatiza a importância da linguagem na “tradução” de todos os “objetos, imagens, comportamentos”, porque, segundo ele, “qualquer sistema semiológico repassa-se de linguagem”. É mais enfático ainda quando afirma: “o mundo dos significados não é outro senão o da linguagem”. (BARTHES, 1977 , p.12) . Hoje, quase um século após Saussure, pai da lingüística moderna, e mais de quarenta depois do estruturalismo francês são compreensíveis tais afirmações. O mesmo, porém, não acontecia naquelas épocas, em que os estudos lingüísticos se guiavam por orientações historicistas e evolucionistas dos denominados neogramáticos do século XIX. (DUBOIS et al., 1978 e LYONS, 1979).
Wittgenstein, com toda sua complexidade, parece tornar-se claro quando afirma que “o homem possui a capacidade de construir linguagens com as quais se pode exprimir todo sentido”. Para mim, ao menos, volta a ser altamente complexo quando esse mesmo autor escreve: “Toda filosofia é crítica da linguagem” (WITTGENSTEIN, 1994, p. 165). Em ambos os casos, porém, ressalta-se a importância da linguagem. No primeiro, reforça-se a idéia de que os sentidos, ou seja, os significados, no dizer de Barthes, são traduzidos, expressos, transmitidos e construídos pela linguagem; no segundo, parece tratar-se do fato de a linguagem fundamentar toda a filosofia. É a filosofia se fazendo na linguagem e com a linguagem, se esta minha interpretação estiver correta.
De modo geral, os autores, mesmo ao criticar os lingüistas, preocupam-se com a linguagem como meio de comunicação e, também, do aprender, do construir e do receber e transmitir o conhecimento. É o caso, por exemplo, de Bakhtin (1981, p. 106), que, ao procurar explicar pela dialética marxista o sentido da palavra, afirma: “Quando o filólogo-lingüista alinha os contextos possíveis de uma palavra dada, ele acentua o fator de conformidade à norma; o que lhe importa é extrair desses contextos dispostos lado a lado uma determinação descontextualizada, para poder encerrar a palavra num dicionário.” Logo adiante, no seu texto, declara: “Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham nessa corrente é que começam a operar.”
Tudo isso fica mais claro, quando ele reitera e amplia o campo do seu entendimento de língua: “Os sujeitos não ‘adquirem’ sua língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o primeiro despertar da consciência.” (BAKHTIN, 1981, p. 108). É a língua - ele fala de língua materna em oposição a língua estrangeira - que forma a consciência, o próprio indivíduo, porém num ambiente de interação pelo produto da fala, a enunciação. Nas palavras do próprio Bakhtin (1981, p. 109), “A enunciação é de natureza social”.
Sabemos todos da importância que tiveram os estudos de Vigotski para educação. A teoria construtivista promoveu mudanças na escola, nos currículos, na forma de ensinar e, principalmente, contribuiu para o surgimento de novos paradigmas na educação. O construtivismo de Vigotski e de seus seguidores - Luria, por exemplo -, ao lado de outras teorias como o interacionismo de Piaget, alteraram profundamente o modo de ver todo o processo do ensino e da aprendizagem. (POZO, 2002; UCHÔA, 2005; CAMPOS, 2005).
Ao tratar da comunicação, uma das funções da linguagem e fundamental para a educação, Vigotski (2003, p. 7), após criticar teorias lingüísticas que se apoiavam apenas na idéia do signo (a palavra ou o som) como meio de comunicação, afirma: “um estudo mais profundo do desenvolvimento da compreensão e da comunicação na infância levou à conclusão de que a verdadeira comunicação requer significado – isto é generalização -, tanto quanto signos.”
O conceito de “generalização” ao lado do conceito de “simplificação”, Vitgoski aproveita, segundo sua própria declaração, do lingüista norte-americano Edward Sapir. Segundo este último, nas palavras do próprio Vigotski:, “o mundo da experiência precisa ser extremamente simplificado e generalizado antes que possa ser traduzido em símbolos.” (VIGOTSKI, 2003, p. 7).
Dessa forma, Vigotski (2003, p. 7-8) pôde concluir seu raciocínio: somente assim a comunicação torna-se, de fato, possível, pois a experiência do indivíduo encontra-se apenas em sua própria consciência e é, estritamente falando, comunicável. Para se tornar comunicável, deve ser incluída numa determinada categoria que, por convenção tácita, a sociedade humana considera uma unidade. Assim, a verdadeira comunicação humana pressupõe uma atitude generalizante, que constitui um estágio avançado do desenvolvimento do significado da palavra. As formas mais elevadas da comunicação humana somente são possíveis porque o pensamento do homem reflete uma realidade conceitualizada.
No campo mais específico da relação entre linguagem e educação, Rondal (1980, p. 73) declara: “La escuela (...) tiene por objeto el explicitar y elaborar por el lenguaje los principios y las operaciones que se aplican a los objetos (ciencias) y a las personas (humanidades).”. Pela afirmação, pode-se perceber a importância que a linguagem assume para a escola e, consequentemente, para a educação.
Concluindo este tópico, reitera-se o reconhecimento pelo que a linguagem representa e pelo papel que desempenha na construção e na comunicação do conhecimento na escola ou em outra instância em que se ensina e se aprende. Pedagogos, lingüistas, psicolinguistas, como é o caso do último autor citado, educadores de um modo geral dedicam-se ao tema e contribuem com suas pesquisas, seus estudos, suas propostas para o fortalecimento da relação que há entre linguagem e educação.
3. Educação, literatura e construção do conhecimento: uma problematização.
O que se disse sobre a relação entre educação e linguagem poderia se repetir no enfoque deste item, por se tratar a literatura de um produto da linguagem. Porém, como certa especificidade da linguagem, o texto poético apresenta características que lhe são próprias e que podem ser enfocadas de modo específico. É o que se busca fazer nesta parte do estudo.
O problema com que se depara é de como a literatura tem frequentado, ao menos teoricamente, a sala de aula, e que contribuição ela pode trazer para o ensino e para aprendizagem nos diferentes ramos do saber, mais especialmente nas áreas da Educação e de Letras.
Sabe-se por alguns estudos, principalmente dos programas de pós-graduação, que o texto literário, ao lado de textos de outros gêneros, vem aparecendo com bastante frequência, e não só nos cursos das duas áreas referidas, mas em diversas outras. Muitas vezes, tem a função apenas de ilustração, com frases de autores mais popularizados – não populares - como Fernando Pessoa, Guimarães Rosa, ou letras de compositores famosos. Chico Buarque talvez seja o exemplo mais claro dessa tendência.
Tratando da problemática de se trabalhar com o texto em sala de aula, há diversos trabalhos de mestrado, defendidos em diversos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Letras, ou afins. Eles se inscrevem no contexto da produção do conhecimento na área da educação, mas tendo como apoio o conhecimento e o estudo de disciplinas relacionadas com a linguagem, como é a proposta deste artigo.
4. Um poema, uma lição.
O poema Lição sobre a água, que será enfocado, é de autoria do poeta português António Gedeão, pseudônimo de Rômulo de Carvalho (Lisboa: 1906-1997). Licenciado em Ciências Físico-Químicas e em Ciências Pedagógicas, Rômulo de Carvalho, exerceu o magistério em Coimbra e Lisboa em diversos Liceus. Publicou inúmeros livros didáticos, como, por exemplo, Compêndio de Química para o 3.º Ciclo.
Como poeta, seu primeiro livro somente saiu publicado em 1956, embora desde a infância demonstrasse tendências literárias, que foram deixadas de lado até a maturidade pelo envolvimento com a ciência e com o magistério. Foi nessa primeira obra, Movimento perpétuo, que surge o pseudônimo Antônio Gedeão.
Dois anos após, em 1958, surge novo livro de poemas, Teatro do mundo. Transcorreram mais três anos para aparecer o novo livro, Máquina de fogo, e em 1967 lança Linhas de força, que, no ano seguinte, é incorporado aos outros três sobre o título Poesias completas: 1956-1957.
Na literatura, publicou ainda uma peça de teatro, RTX 78/24, em 1963, e uma coletânea de contos, A poltrona e outras novelas, de 1973. Publicou ainda poemas que versam sobre temas científicos.
Novamente, sua produção poética e literária é prejudicada pelas várias atividades científicas e culturais em cargos que passou a ocupar e, também, pela publicação de inúmeras outras obras de caráter científico e pedagógico. Embora não tivesse produzido obra literária, nem especificamente poética, de grande fôlego depois de 1968, nunca deixou de publicar poemas em revistas e jornais literários de Portugal. A sua marca na literatura, na ciência - quer como professor, quer como divulgador – e na cultura portuguesa são inegáveis. Foi uma vida de 91 anos voltada para a profissão de ensinar, que a exerceu como verdadeira missão, e voltada também para o desenvolvimento da ciência em Portugal, que está sempre presente na sua obra.
LIÇÃO SOBRE A ÁGUA - Antônio Gedeão -
Este líquido é água. /
Quando pura /
é inodora, insípida e incolor/
Reduzida a vapor /
Sob tensão e a alta temperatura, /
Move os êmbolos das máquinas que, por isso, /
Se denominam máquinas de vapor./
.
É um bom dissolvente. /
Embora com exceções mas de um modo geral, /
dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais. /
Congela a zero graus centesimais /
E ferve a 100, quando à pressão normal. /
.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão, /
sob um luar gomosos e branco de camélia,/
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia /
com um nenúfar na mão.
(GEDEÃO, 1975, p. 244-5.) -
Este poema faz parte do livro Linhas de força, publicado inicialmente em 1967 e, posteriormente, incluído em Poesias completas, de 1968. Linhas de força é a obra poética considerada pela crítica a mais significativa do autor. Sena (1968, p. LXXVI), no estudo introdutório de Poesias completas, declara: “Tomara muitos publicar um livro como este, é óbvio. E alguns dos poemas dele são por certo dos melhores de António Gedeão”. Referindo-se especificamente ao poema que está sendo enfocado, e fazendo menção ao perfeito equilíbrio entre diferentes tipos de linguagens, o mesmo crítico afirma: “No terceiro dos livros, em dois poemas a síntese era perfeita entre a terminologia científica e a linguagem-padrão. Pode dizer-se que, neste 4.º livro tal síntese só se verifica – aliás admiravelmente – num poema (Lição sobre a água)” (SENA, 1968, p. LXXIV).
Iniciando o enfoque do poema pelo título, podem-se deduzir daí duas “lições”. Uma sobre o elemento água, o que reflete um posicionamento científico; e uma outra “lição” que se mostra sobre a água, ou seja, boiando sobre ela.
Na introdução do poema – as duas primeiras estrofes – são expostas em forma de lição, as características da água, numa descrição muito próxima daquela que é comum aparecer em textos de livros científicos. Aí estão presentes as qualidades físico-químicas da água. Há, portanto, uma identificação com o denominado discurso científico. É um texto descritivo, em oposição à segunda parte, claramente uma opção pelo texto narrativo. É o que se denominava discurso objetivo, aquele cujo sujeito seria a própria ciência e não um sujeito da enunciação, numa visão estruturalista, como a de Greimas (1976).
Essa semelhança se ressalta no momento em que se comparam as duas primeiras estrofes do poema com fragmentos de um texto de uma enciclopédia:
.
Este líquido é água. /
Quando pura /
é inodora, insípida e incolor. /
Reduzida a vapor, /
Sob tensão e a alta temperatura, /
Move os êmbolos das máquinas que, por isso /
Se denominam máquinas de vapor. /
.
É um bom dissolvente. /
Embora com exceções mas de um modo geral, /
dissolve tudo bem, ácidos, bases e sais. /
Congela a zero graus centesimais /
E ferve a 100, quando à pressão normal.
(GEDEÃO, 1975) -
A água pura é um líquido inodoro, insípido, transparente e quase incolor. (...) Suas propriedades físicas são usadas para a definição de muitas constantes físicas. Funde-se a 100,000º C, sob pressão de 760 mm Hg. (...) Tem grande capacidade calorífica; a 14,5º C, seu poder calorífico é de 1,000 caloria. (...) Reage com os óxidos básicos, formando bases; e com os óxidos ácidos, formando ácidos. Decompõe diversas substâncias, pela reação de hidrólise. Toma parte na constituição de muitos compostos, principalmente sais, formando os hidratos.
(ENCICLOPÉDIA BRASILEIRA MÉRITO, s.d.)
O diálogo entre os dois textos é facilmente constatado, o que nos mostra certa “postura científica” no texto poético de António Gedeão. Essa postura científica, como procedimento, ou com figura poética, apresenta-se de dois modos: primeiramente, pela descrição de um fazer científico - o descrever a água – e pela contraposição de um discurso aparentemente científico a um discurso consagrado tradicionalmente como poético.
Passando para a segunda parte do poema – a terceira estrofe -, que também traz em si uma “lição”, porém de caráter mais subjetivo, e agora não mais num tom de ciência, mas num estilo de aviso, de advertência, próprio dos ensinamentos. É como se chamasse a atenção para o perigo da água ou, então, considerar a água como um local e instrumento de suicídio. Assim, comentando o poema, interpretou Mattos (s.d.), com apoio em Braga. Formalmente, apresenta-se de modo diferente, com nova técnica na construção do texto. Recordando a estrofe, ela é a seguinte:
.
Foi neste líquido que numa noite cálida de Verão, /
sob um luar gomosos e branco de camélia, /
apareceu a boiar o cadáver de Ofélia /
com um nenúfar na mão.
(GEDEÃO, 1975) -
Aqui, como já se mencionou, o gênero é narrativo. As formas verbais - Foi e apareceu - denotam um tempo que passou, característica de tal gênero textual. Como na primeira parte, que se relacionava a um outro texto, o mesmo acontece com esta segunda parte do poema. Agora, a intertextualidade se dá não mais com um texto proveniente da ciência, mas da literatura, mais precisamente com um trecho da peça Hamlet, de Shakespeare:
.
Ao tentar pendurar suas coroas
nos galhos inclinados, um dos ramos
invejosos quebrou, lançando na água
chorosa seus troféus de erva e a ela própria.
(SHAKESPEARE, s.d.)
Mesmo levando-se em conta o fato de se tratar de uma tradução, a semelhança, neste caso, é mais de assunto do que de estruturação linguística. Há uma maior liberdade criativa por parte de Antônio Gedeão na construção do seu texto poético, pela própria natureza subjetiva da narração. Com isso, a ligação estrutural, formal, torna-se menos acentuada.
Com a reprodução e o enfoque do poema Lição sobre a água, de Antônio Gedeão, procurou-se exemplificar a profunda ligação entre educação e linguagem. Mais especificamente, buscou-se mostrar a ligação da educação a um tipo específico de linguagem, a linguagem poética.
5. Considerações finais
A relação entre educação e linguagem é clara, como se viu ao longo deste texto e, pode-se dizer, já pertence ao domínio do saber estabelecido. No ideário de teóricos da educação e de estudiosos da linguagem essa relação é ressaltada e valorizada como intrínseca e fundamental. Nesse contexto, procurou-se mostrar também o aproveitamento que o texto poético faz do tradicionalmente denominado discurso científico como um procedimento, ou seja, como figura poética.
O que pode ficar de “lição”, neste artigo, aproveitando a atmosfera poética do texto de Antônio Gedeão, é que a relação entre educação e linguagem e, especificamente, entre educação e poesia, ou linguagem poética, podem tornar-se elementos constitutivos da construção e da difusão do conhecimento. Portanto, e consequentemente, podem contribuir para o ensino e para a aprendizagem em todos os níveis da educação.

Prof. Jayme Bueno [Blog: http://jaymebueno.blogspot.com/ ]

26 abril, 2009

O Educador Paulo Nathanael / Arnaldo Niskier

APÓS A LEITURA DO ARTIGO, VAMOS DIALOGAR SOBRE O ENSINO MÉDIO?? [Pensar, ao menos...]
*****

Foi uma cerimônia muito bonita, no auditório do CIEE/SP. Era a posse do educador Paulo Nathanael Pereira de Souza como membro efetivo da Academia Paulista de Letras. Na ocasião, suas varias ações, sobretudo como homem público, foram lembradas pelos oradores, um dos quais, entusiasmado, chegou a chamá-lo de “Santo”.

Conheci de perto a grande paixão de Paulo Nathanael Pereira de Souza pela educação brasileira durante os anos de convívio, no antigo e saudoso Conselho Federal de Educação. Suas intervenções, sempre sábias, constituíram permanente aprendizado. Minha admiração não era só pela figura do presidente do CFE, mas pelo especialista, notadamente em educação média e profissionalizante, que visitei, de uma feita, no Cenafor, também por ele comandado.

Não posso lhes garantir que ele, quanto mais velho ficou melhor. Por uma simples razão: suas ideias jamais envelheceram, como pude verificar ao fazer em parceria o livro “Educação, Estágio e Trabalho” (Editora Integrare), felizmente com muito sucesso. Aliás, devido às suas judiciosas considerações sobre a educação em nosso País, sempre uma prioridade verbal, mas não prática. Diz Paulo Nathanael, agora membro também da Academia Paulista de Letras e da Academia Brasileira de Educação (eleito na semana passada) que “o ensino médio brasileiro tem sido o calcanhar de Aquiles do sistema educacional. Jamais conseguiu definir o seu objetivo.”

Concordo inteiramente com a sua tese de que o segredo do ensino médio no Brasil é que ele não sabe realmente para que existe. Tanto isso é verdade que passou a ser a grande preocupação das autoridades no MEC, empenhadas na associação inteligente da formação propedêutica com a necessária visão profissionalizante. Todos concordamos que o ensino médio não pode ser apenas um corredor de acesso ao ensino superior. Novas necessidades sociais, econômicas e culturais obrigam a esse casamento, sem esquecer que o humanismo deve ser prevalecente, pois se deseja a formação integral do educando – e isso não pode ser secundarizado.

Defendemos, em conjunto, a melhor formação dos professores. Tudo o que é ensinado hoje na escola deve ser acompanhado da explicação clara da sua aplicabilidade na vida real. “Quando fui reitor de uma universidade, em São Paulo, não me cansei de proclamar essa necessidade.” – diz o mestre Nathanael, com a firmeza com que defende as suas convicções. Outro fato marcante em sua personalidade é a defesa intransigente do valor dos profissionais brasileiros. Por que essa mania de exaltar somente o que vem de fora, como se ainda vivêssemos a fase de predomínio dos índios botocudos?

Não se pode deixar de admirar o educador Paulo Nathanael Pereira de Souza, também, pelo muito que fez na direção do Centro de Integração Empresa-Escola Nacional. Foram anos de grande produtividade, com a incorporação de um número recorde de estagiários e aprendizes, com uma particularidade essencial: todos estão sendo orientados com uma visão moderna, para o futuro, com o pleno emprego da educação à distância e de outras tecnologias de ponta. É um brasileiro que merece todas as homenagens, um dos melhores amigos que fiz na vida.

*****Jornal do Commercio (RJ), 13/4/2009

13 abril, 2009

Poetas de 45


Antonio Olinto




Estamos em 1945, a guerra terminara em 8 de maio. Não sabíamos que ela ia terminar. Mas, no fundo, sabíamos. Sabíamos porque desde o fim de abril, um grupo de jovens poetas, preparamos uma exposição de poesia. Isto mesmo: uma exposição de poesia. Datilografamos poemas em folhas de papel, emolduramo-los como se quadros fossem, e penduramo-los nas paredes da sala de entrada da Escola Nacional de Belas Artes na Rua Araújo Porto Alegre do Rio de Janeiro. Pertencíamos ao grupo: Antonio Fraga, Luciano Maurício, Aladir Custódio, Ernande Soares, Hélio Justiniano e este que vos fala. Conseguimos imprimir um catálogo, para o qual escrevi uma apresentação, com um poema de cada expositor. Inauguramos a mostra em 10 de maio de 1945 (dia do meu aniversário). Era a primeira demonstração pública da geração que viria mais tarde a ser chamada de Geração de 45. Verdade é que; antes dessa data, Nelson Rodrigues lançara o seu Vestido de noiva, Clarice Lispector publicara Perto do coração selvagem e Guimarães Rosa ganhara prêmio, em 1936, com os contos de Sagarana, só publicados mais tarde. Em todos eles havia a marca dos novos tempos. Que veio a ser afinal a Geração de 45? Terá sido simplesmente a negação da Semana de 22? A Semana já havia feito o que tinha de fazer, já havia conquistado o que tinha de conquistar. Mais importante, ainda, entre 22 e 45 houvera uma nova guerra mundial e uma tecnologia que mudava por completo o equilíbrio político das nações.
Era natural que a poesia de 45 abandonasse o poema-piada, que fizera parte do protesto de 1922. Tivéramos um holocausto e uma verdadeira matança que reduzira a população de muitos países. Passáramos por uma ditadura de 15 anos. O ano de 1945 surgia como o início de uma libertação. Estávamos prontos para a mudança. Foi então que um jovem poeta, nascido no Espírito Santo e residente no Rio de Janeiro a partir dos 11 anos, com experiência de vida no mar, como piloto da Marinha Mercante Brasileira, apareceu com seus poemas na face do país. Era uma voz nova. Geração de 45? Pelo calendário, sim – mas não só e nem tanto. Seu lugar em nossa literatura era muito pessoal para ficar assim adstrito. Antes de tudo, Geir Campos escreveu sob um primado ético. Estaria mais perto da poesia dos sucessores de 22, o Jorge de Lima dos sonetos, Jorge e Murilo de Tempo e eternidade e o Carlos Drummond de Claro enigma, publicado um ano depois do livro de estréia de Geir. Depois da famosa e infeliz classificação de José Guilherme Merquior, chamando-a de "dege(ne)ração de 45", muito poeta desejou afastar-se da categoria, tomando-a com isto, pouco atraente. Houve, sim, uma geração de 45, em que estiveram Tiago de Melo, Lêdo Ivo, Paulo Mendes Campos, Antonio Rangel Bandeira e o injustamente esquecido Nilo Aparecida Pinto, entre muitos outros. Aconteceu que a referida geração acabou espremida entre a maré da Semana de 22 e a eclosão do movimento concretista de meados dos anos 50, em que Merquior estava inserido. Nada disso, porém, tem muita importância. A poesia de Geir Campos é de uma clareza tal que se destaca, no período de sua vida, como das coisas mais sérias que a literatura brasileira teve. Suas palavras são as de todo dia, seu ritmo escorre com facilidade, seu significado fica na memória. Eis os oito versos de seu poema Tarefa:
"Morder o fruto amargo e não cuspir/ mas avisar aos outros quanto é amargo,/ cumprir o trato injusto e não falhar/ mas avisar aos outros quanto é injusto,/ sofrer o esquema falso e não ceder/ mas avisar aos outros quanto é falso;/ dizer também que são coisas mutáveis.../ E quando em mitos a noção pulsar/ – do amargo e injusto e falso por mudar,/ então confiar à gente exausta o plano/ de um mundo novo e muito mais humano".



Jornal do Brasil, 5/4/2009.
Imagem disponível no Google Imagens

07 abril, 2009

A temática aliança das civilizações

Candido Mendes de Almeida


O Programa da Aliança das Civilizações depara uma circunstância nova no seu horizonte imediato. Ou seja, a do advento do governo Obama, que afasta o recrudescimento da pespectiva americana num fundamentalismo ameaçador em defesa do Ocidente, no seu impacto sobre a "guerra das religiões".

Avança também o reconhecimento dos limites do terrorismo intenacional, a partir de um enfoque realista, que debata a visão crítica da hegemonia, tal como avançada na última década.

Importa, e já, num quadro dos Direitos Humanos, salientar a garantia crucial das diferenças de identidade, nas culturas ameaçadas pela terraplanagem de um progressismo, vivido como um álibe das relações de dependência entre centro e periferia, passadas à globalização. O essencial é superar a síndrome do 11 de setembro, que nos levou à coexistência com o permanente medo, a ponto de comprometermos a visão da alteridade social, e do respeito às subjetividades coletivas, fora dos simulacros em que as pode reconstruir uma razão universal, desatenta ao concreto do processo histórico.

O avanço do terrorismo específico do século XX é da negação do respeito a essa identidade, violentada pelo colonialismo dos últimos séculos, nascidos do monopólio civilizatório de que se investiu o Ocidente. O trabalho à nossa frente vai além dos mea culpa, tal como do arrependimento europeu, frente à escravidão ou à vitimização das culturas que viveram esta dominação chegada à sua visão de mundo e seu estilo de vida.

No quadro, hoje, do respeito às autonomias culturais, inclusive dentro do próprio Ocidente, organizações como a Academia da Latinidade querem frisar, tal como no mundo islâmico, as diferenças internas dessas dominantes de identidade. E por aí mesmo dissociar o "vis-à-vis" de nosso tempo de determinates geopolíticas históricas, e entender, por exemplo, a estratégia de um mundo mediterrâneo, que permita o enlace com a Turquia e o Oriente Médio, ou compreenda, numa legítima helenística, o que seja hoje o mundo Atlântico e a América Latina, passando ao Mar Aberto.

E é esse mundo das diferenças, no ganho de sua voz, que permitirá ao mundo do pós 11 de setembro sair das polaridades sem remédio em que possamos repetir a Guerra Fria em contrapontos estéries como o do centro e periferia. A pressão desde agora pela diferenciação ocidental dissociada, pela latinidade, do universo saxônico cria cabeças de ponto para o futuro pluralismo de encontro, fora da convensão do que seja o outro e os fatos consumados de um confronto.

No empenho de uma globalização liberada da hegemonia, a afirmação das identidades coletivas contemporâneas calça-se também sobre o patrimônio pré-ocidental da América Latina, nos reclamos da interculturalidade aymara ou quetchua nos países andinos.

Da mesma forma, o clamor pelos direitos humanos se torna a primeira plataforma para o universal do diálogo na atualidade, permitindo um consenso crescente quanto aos crimes contra a humanidade, do genocídio à tortura.

Não é sem razão que o potencial de uma iniciativa como a da Aliança das Civilizações tenha a Espanha ou a Turquia como fiadoras desses desbalizamentos dos universos de poder em que atravessamos o século. Seu enfoque e iniciativa assentam a ótica por onde pode começar o novo de uam visão realmente prospectiva, e dialética dos macroconflitos de nosso tempo.


Jornal do Commercio (RJ), 3/4/2009