09 setembro, 2009

Eleições e mídia, tudo a ver

A disputa eleitoral começa bem antes das pessoas comuns perceberem. Ela é feita à surdina, mansamente. Infelizmente a maior parte dos veículos de comunicões não são isentos e trabalham para defender os privilégios adquiridos com o correr do tempo. Ou se vendem mesmo, como acontece na grande imprensa. Isso a população não fica sabendo, apenas absorve as informações. Questionar não é o forte do pais que tenta se indignar, mas no ranço dos preconceitos apenas participa do jogo atual das classes dominantes. Para que seja revertida essa situação, depende dos empresários de comunicação e também de jornalistas éticos, que não aceitem vender sua consciência. Abaixo matéria opnativa de Emiliano José, de Salvador, que descreve cenário pré-eleitoral brasileiro, publicado na revista Carta Capital.


Eleições e mídia, tudo a ver

08/09/2009 12:27:28

Emiliano José
  • Eu estava na ante-sala de uma médica, em Salvador. Sábado, dia 29 de agosto. E apenas por essa contingência, dei-me de cara com uma chamada de primeira página – uma manchetinha – da revista Época, já antiga, de março deste ano de 2009: A moda de pegar rico – as prisões da dona da Daslu e dos diretores da Camargo Corrêa.Alguém já imaginou uma manchete diferente, e verdadeira como por exemplo, A moda de prender pobres? Ou A moda de prender negros? Não, mas aí não. A revolta é porque se prende rico. Rico, mesmo que cometendo crimes, não deveria ser preso.
  • Lembro isso apenas para acentuar aquilo que poderíamos denominar de espírito de classe da maioria da imprensa brasileira. Ela não se acomoda – isso é preciso registrar. Não se acomoda na sua militância a favor de privilégios para os mais ricos. E não cansa de defender o seu projeto de Brasil sempre a favor dos privilegiados e a favor da volta das políticas neoliberais. Tenho dito com certa insistência que a imprensa brasileira tem partido, tem lado, tem programa para o País.
  • E, como todos sabem, não é o partido do povo brasileiro. Ela não toma partido a favor de quaisquer projetos que beneficiem as maiorias, as multidões. Seus olhos estão permanentemente voltados para os privilegiados. Não trai o seu espírito de classe.
  • Isso vem a propósito do esforço sobre-humano que a parcela dominante de nossa mídia vem fazendo recentemente para criar escândalos políticos. E essa pretensão, esse esforço não vem ao acaso. Não decorre de fatos jornalísticos que o justifiquem.
  • Descobriram Sarney agora. Deu trabalho, uma trabalheira danada. A mídia brasileira não o conhecia após umas cinco décadas de presença dele na vida política do país. Só passou a conhecê-lo quando se fazia necessário conturbar a vida do presidente da República. O ódio da parcela dominante de nossa mídia por Lula é impressionante. Já que não era possível atacá-lo de frente, já que a popularidade e credibilidade dele são uma couraça, faça-se uma manobra de flanco de modo a atingi-lo. Assim, quem sabe, terminemos com a aliança do PMDB com o PT.
  • Não, não se queira inocência na mídia brasileira. Ninguém pode aceitar que a mídia brasileira descobriu Sarney agora. Já o conhecia de sobra, de cor e salteado. Não houve furo jornalístico, grandes descobertas, nada disso. Tratava-se de cumprir uma tarefa política. Não se diga, porque impossível de provar, ter havido alguma articulação entre a oposição e parte da mídia para essa empreitada. Talvez a mídia tenha simplesmente cumprido o seu tradicional papel golpista.
  • Houvesse a pretensão de melhorar o Senado, de coibir a confusão entre o público e o privado que ali ocorre, então as coisas não deviam se dirigir apenas ao político maranhense, mas à maior parte da instituição. Só de raspão chegou-se a outros senadores. Nisso, e me limito a apenas isso, o senador Sarney tem razão: foi atacado agora porque é aliado de Lula. Com isso, não se apagam os eventuais erros ou problemas de Sarney. Explica-se, no entanto, a natureza da empreitada da mídia.
  • A mídia podia se debruçar com mais cuidado sobre a biografia dos acusadores. Se fizesse isso, se houvesse interesse nisso, seguramente encontraria coisas do arco da velha. Mas, nada disso. Não há fatos para a mídia. Há escolhas, há propósitos claros, tomadas de posição. Que ninguém se iluda quanto a isso.
  • Do Sarney a Lina Vieira. Impressionante como a mídia não se respeita. E como pretende pautar uma oposição sem rumo. É inacreditável que possamos nós estarmos envolvidos num autêntico disse-me-disse quase novelesco, o país voltado para saber se houve ou não houve uma ida ao Palácio do Planalto. Não estamos diante de qualquer escândalo. Afinal, até a senhora Lina Vieira disse que, no seu hipotético encontro com Dilma, não houve qualquer pressão para arquivar qualquer processo da família Sarney – e esta seria a manchete correta do dia seguinte à ida dela ao Senado. Mas não foi, naturalmente.
  • Querem, e apenas isso, tachar a ministra Dilma de mentirosa. Este é objetivo. Sabem que não a pegam em qualquer deslize. Sabem da integridade da ministra. É preciso colocar algum defeito nela. Não importa que tenham falsificado currículos policiais dela, vergonhosamente. Tudo isso é aceitável pela mídia. Os fins, para ela, justificam os meios.
  • Será que a mídia vai atrás da notícia de que Alexandre Firmino de Melo Filho é marido de Lina? Será? Eu nem acredito. E será, ainda, que ele foi mesmo ministro interino de Integração Nacional de Fernando Henrique Cardoso, entre agosto de 1999 e julho de 2000? Era ele que cochichava aos ouvidos dela quando do depoimento no Senado? Se tudo isso for verdade, não fica tudo muito claro sobre o porquê de toda a movimentação política de dona Lina? Sei não, debaixo desse angu tem carne...
  • Mas, há, ainda, a CPI da Petrobras que, como se imaginava, está quase morrendo de inanição. Os tucanos não se conformam, E nem a mídia. Como é que a empresa tornou-se uma das gigantes do petróleo no mundo, especialmente agora sob o governo Lula e sob a direção de um baiano, o economista José Sérgio Gabrielli de Azevedo? Nós, os tucanos, pensam eles, fizemos das tripas coração para privatizá-la e torná-la mais eficiente, e os petistas mostram eficiência e ainda por cima descobrem o pré-sal. É demais para os tucanos e para a mídia, que contracenou alegremente com a farra das privatizações do tucanato.
  • Acompanho o ditado popular “jabuti não sobe em árvore”. A CPI da Petrobras não surge apenas como elemento voltado para conturbar o processo das eleições. Inegavelmente isso conta. Mas o principal são os interesses profundos em torno do pré-sal. Foi isso ser anunciado com mais clareza e especialmente anunciada a pretensão do governo de construir um novo marco regulatório para gerir essa gigantesca reserva de petróleo, e veio então a idéia da CPI, entusiasticamente abraçada pela nossa mídia. Não importa que não houvesse qualquer fato determinado. Importava era colocá-la em marcha.
  • Curioso observar que a crise gestada pela mídia com a tríade Sarney-Lina-Petrobras, surge precisamente no mesmo período daquela que explodiu em 2005. Eleições e mídia, tudo a ver. Por tudo isso é que digo que a mídia constitui-se num partido. Nos últimos anos, ela tem se comportado como a pauteira da oposição, que decididamente anda perdida. A mídia sempre alerta a oposição, dá palavras-de-ordem, tenta corrigir rumos.
  • De raspão, passo por Marina Silva. Ela sempre foi duramente atacada pela mídia enquanto estava no governo Lula. Sempre considerada um entrave ao desenvolvimento, ao progresso quando defendia e conseguia levar adiante suas políticas de desenvolvimento sustentável. De repente, os colunistas mais conservadores, as revistas mais reacionárias, passam a endeusá-la pelo simples fato de que ela saiu do PT. É a mídia e sua intervenção política. Marina, no entanto, para deixar claro, não tem nada com isso. Creio em suas intenções de intervenção política séria, fora do PT. Neste, teve uma excelente escola, que ela não nega.
  • Por tudo isso, considero essencial a realização da I Conferência Nacional de Comunicação. Por tudo isso, tenho defendido com insistência a necessidade de uma nova Lei de Imprensa. Por tudo isso, em defesa da sociedade, tenho defendido que volte a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Por tudo isso, tenho dito que a democratização profunda da sociedade brasileira depende da democratização da mídia, de sua regulamentação, de seu controle social. Ela não pode continuar como um cavalo desembestado, sem qualquer compromisso com os fatos, sem qualquer compromisso com os interesses das maiorias no Brasil.

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=4967

4 comentários:

Marcelo Novaes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcelo Novaes disse...

Ka,


Fatos sobre Sarney são usados, midiaticamente, segundo conveniências de interesse e/ ou eleitoreiras. Porém são fatos. Há uma minoria, que não consigo estimar percentualmente, que passaria no teste da "confrontação de currículos" se medidos frente ao Coronel Sarney. Ontem, um humorista no Jô, contou um show que fez no Maranhão. Fez um "caco" (um improviso) onde brincou com a figura de Sarney. Diz ele que nunca vira antes um improviso levar oitenta por cento da platéia a aplaudir de pé. Diz ele: "Coincidentemente, a Governadora do estado é filha do Sarney. Coincidentemente, outra neta, que não aquela que pediu emprego pro namorado, no dia seguinte me mandou uma carta dizendo que 'só não me processava porque seu avô lhe aconselhou a não levar uma medida judicial adiante'". Por essas e outras, Sarney e outros políticos do seu naipe, corroboram o atraso do Maranhão, que Ferreira Gular gosta de recordar como tendo sido "A Atenas brasileira". Hoje é apenas...


Quanto à Daslu e Correa Camargo, isso é um vexame. Concordo plenamente. Aliás, queria ver os famosos que endossaram o vagabundo Abdelmassih metendo a boca no trombone, e exigindo exames de DNA e coisa e tal, já que o malandro, com certeza, não foi besta de estuprar Luíza Tomé, ou a mulher do Faustão. Mas o silêncio deles me constrange. Hebe Camargo era "habitué" de jantares com o "gentleman". Ocorre que as classes abastadas se envergonham de apontar suas próprias gafes e enganos morais sérios. Não se trata só das gravatas que o rabino Henry Sobel pegou (ele até faz uma belo "mea culpa" em sua autobiografia, dizendo que o incidente "revela muito sobre si mesmo para si mesmo", que ele tem sérios defeitos a corrigir... Perto de Daniel Dantas, ele é mesmo um bom rabino...). Não se trata só do Amaury Júnior entrevistar um estelionatário travestido de "dono da Gol", e este fulano frequentar os camarotes Vips ("você importa pouco") no Sambódromo do Rio de Janeiro. Trata-se desse povo "encolher o rabo" quando se dá conta desses fatos, onde "a pose venceu a verdade". Eles preferem não perder a pose diante do fato, inelutável, de que açucararam (e endossaram) a farsa...









Abraços,







Marcelo.

KA disse...

Marcelo,

Você tem muita facilidade em descrever o cotidiano. Tenho certeza que uma coluna diária sua em orgão da grande imprensa seria uma das mais lidas e faria grande sucesso.

Quanto aos fatos mencionados: Aqueles "amigos" do Sarney, -que não passariam em nenhuma prova de ética e bons costumes- não hesitam em jogá-lo aos "leoões" quando isso lhes interessa. O Coronel Sarney era da Arena, sempre defendeu a ditadura, se enriqueceu no Maranhão e conseguiu se manter na nova república.
Porque só agora se lembraram de fazer e revelar essas denúncias? Será que ninguém sabia de tudo isso antes? Ele, como todos que devem, tem que pagar. Pagar caro.
Mas o que nos leva a pensar é porque, só agora????

-O Brasil não pode e nem dever ser refúgio de malandros, canalhas, traficantes e bandidos de toda espécie; principalmente aqueles que esfolam e assopram os ferimentos do povo.- Utopia??? Talvez. Mas desejando o impossível teremos o melhor possível.


Abraços

KA

Tania Anjos disse...

Ka,

que texto bem redigido!

Suas colaborações são precisosas. Obrigada,

bjs!