10 fevereiro, 2010
Parafuso de Cabo de Serrote e Paisagem de Interior - ORAÇÃO FORTE E MILAGROSA PARA AFUGENTAR O MAU-OLHADO DO CONGRESSO NACIONAL - Jessier Quirino
Parafuso de cabo de serrote
Jessier Quirino
Tem uma placa de Fanta encardida
A bodega da rua enladeirada
Meia dúzia de portas arqueadas
E uma grande ingazeira na esquina
A ladeira pra frente se declina
E a calçada vai reta nivelada
Forma palmos de altura de calçada
Que nos dias de feira o bodegueiro
Faz comércio rasteiro e barateiro
Num assoalho de lona amarelada.
Se espalha uma colcha de mangalho:
É cabestro, é cangalha e é peixeira
Urupema, pilão, desnatadeira
Candeeiro, cabaço e armador
Enxadeco, fueiro, e amolador
Alpercata, chicote e landuá
Arataca, bisaco e alguidar
Pé de cabra, chocalho e dobradiça
Se olhar duma vez dá uma doidiça
Que é capaz do matuto se endoidar.
É bodega pequena cor de gis
Sortimento surtindo grande efeito
Meia dúzia de frascos de confeito
Carrossel de açúcar dos guris
Querosene se encontra nos barris
Onde a gata amamenta a gataiada
Sacaria de boca arregaçada
Gargarejo de milhos e farelos
Dois ou três tamboretes em flagelo
Pro conforto de toda freguesada.
No balcão de madeira descascada
Duas torres de vidro são vitrines
A de cá mais parece um magazine
Com perfume e cartelas de Gillete
Brilhantina safada, canivete
Sabonete, batom... tudo entrempado
Filizolla balança bem ao lado
Seus dois pratos com pesos reluzentes
Dá justeza de peso a toda gente
Convencendo o freguês desconfiado.
A Segunda vitrine é de pão doce
É tareco, siquilho e cocorote
Broa, solda, bolacha de pacote
Bolo fofo e jaú esfarofado
Um porrete serrado e lapidado
Faz o peso prum março de papel
Se embrulha de tudo a granel
E por dentro se encontra uma gaveta
Donde desembainha-se a caderneta
Do freguês pagador e mais fiel.
Prateleiras são tábuas enjanbradas
Com um caibro servindo de escora
Tem também não sei qual Nossa Senhora
Com um jarrinho de louça bem do lado
Um trapézio de flandres areados
Um jirau com manteiga de latão
Encostado ao lado do balcão
Um caneiro embicando uma lapada
Passa as costas da mão pelas beiçadas
Se apruma e sai dando trupicão.
Tem cabides de copos pendurados
E um curral de cachaça e de conhaque
Logo ao lado se vê carne de charque
Tira gosto dos goles caneados
Pelotões de garrafas bem fardados
Nas paredes e dentro dos caixotes
Tem rodilha de fumo dando um bote
E um trinchete enfiado num sabão
Bodegueiro despacha a um artesão
Parafuso de cabo de serrote
Paisagem de interior
Jessier Quirino
Matuto no mêi da pista
menino chorando nu
rolo de fumo e beiju
colchão de palha listrado
um par de bêbo agarrado
preto véio rezador
jumento jipe e trator
lençol voando estendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Três moleque fedorento
morcegando um caminhão
chapéu de couro e gibão
bodega com surtimento
poeira no pé de vento
tabulêro de cocada
banguela dando risada
das prosa do cantador
buchuda sentindo dor
com o filho quase parido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Bêbo lascando a canela
escorregando na fruta
num batente, uma matuta
areando uma panela
cachorro numa cadela
se livrando das pedrada
ciscador corda e enxada
na mão do agricultor
no jardim, um beija-flor
num pé de planta florido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Mastruz e erva-cidreira
debaixo dum jatobá
menino querendo olhar
as calça da lavadeira
um chiado de porteira
um fole de oito baixo
pitomba boa no cacho
um canário cantador
caminhão de eleitor
com os voto tudo vendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Um motorista cangueiro
um jipe chêi de batata
um balai de alpercata
porca gorda no chiqueiro
um camelô trambiqueiro
avelós e lagartixa
bode véio de barbicha
bisaco de caçador
um vaqueiro aboiador
bodegueiro adormecido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Meninas na cirandinha
um pula corda e um toca
varredeira na fofoca
uma saca de farinha
cacarejo de galinha
novena no mês de maio
vira-lata e papagaio
carroça de amolador
fachada de toda cor
um bruguelim desnutrido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Uma jumenta viçando
jumento correndo atrás
um candeeiro de gás
véi na cadeira bufando
radio de pilha tocando
um choriço, um manguzá
um galho de trapiá
carregado de fulô
fogareiro abanador
um matador destemido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Um soldador de panela
debaixo da gameleira
sovaqueira, balinheira
uma maleta amarela
rapariga na janela
casa de taipa e latada
nuvilha dando mijada
na calçada do doutor
toalha no aquarador
um terreiro bem varrido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
Um forró de pé de serra
fogueira milho e balão
um tum-tum-tum de pilão
um cabritinho que berra
uma manteiga da terra
zoada no mêi da feira
facada na gafieira
matuto respeitador
padre, prefeito e doutor
os home mais entendido
isso é cagado e cuspido
paisagem de interior.
ORAÇÃO FORTE E MILAGROSA PARA AFUGENTAR O MAU-OLHADO DO CONGRESSO NACIONAL
(Jessier Quirino)
Modese obter um milagre bem milagrado e verdadeiro, o puxador da reza deve ter FÉ num partido defunto, porém, zero-cabaço de pebice e ladroagem.
A reza é pra ser tagarelada de boca toda, braço arribado e mão de abano, por cento e vinte beata, bem na frente do Congresso Nacioná. Primeiro, cada rezadeira faz um banho para lavagem da rampa e dos batente: 9 pimenta malagueta, 3 dedo de amoníaco, 9 folha de pinhão roxo, 3 alho macho, um taco de fumo de rolo, dois tõe de canela em pó, um trevo Amansa Tudo, 10 galho de Desempata, 3 folha de Vinde-cá e raspa do microfone do Congresso Nacioná. Mistura com dois litro de solução de bateria, nove pingo de mijo de senador, sobejo do cafezinho dum deputado risão, água de colônia da boa e dois dedo de cachaça. Enterra por sete dia e, naquela hora lá, tome-lhe banho de bassoura e etc. e coisa tá: escovão, palha de aço, também ácido muriático, água de matar verruga, creolina, soda cáustica, lixa 8, lixa 12 e fé em desempatar.
Para este banho a defumação é: 4 folha de Puçá, 3 caroço de Uxi e 3 broche de sutiã de uma caba eleitorá. Junta com um retrato de um prefeito honesto, sumo de vinte título de eleitor, mais a raspa da carteira de quatro vereador.
Com um rosário verde e amarelo em formato de pulseira e caindo pelas mão, o puxador da reza se benze com a bandeira do partido, e, de mãos ambas, dá de garra duma folha de coqueiro e vai fazendo cruz no espinhaço do Congresso como quem abana um elefante comilão e afundado no cocô. Concentra-se na força milagrosa do partido e larga o pau a rezar:
Oh, meu saudoso partido! Vós que aqui fostes nascido e aqui foste sepultado! No teu tempo esse Congresso era virge desse olhado!
Oh, Congresso Nacioná! Se com dois te botaram, com três eu te tiro; pelos poder do supremo, pelos poder dos poder; poder das força divina, poder do PPPP. (aí diz o nome do Partido cabaço de pebice e virge de ladroagem).
Se botaramna tua arquitetura, nas tuas grande vidraça, na tua rampa de subida honesta e descida mais-ó-meno, no teu lema de luta e teu passado de glória, todo olhar maldiçoado, tinhoso e excomungado há de se arretirar! Perdoai, oh perdoai! Mais duas vez perdoai, esses partido safado, ferino e falsificado lá da casa de carái!
Oh, meu Congresso sofrido! PPPP te conhece, PPPP te amou, PPPP te conserta, PPPP te liberta desse mal que te entrou.
O mesmo milagre te cure o ar torto; ar morto; ar quente; ar de arrenego; ar de projeto má votado; ar de riso e embromação; ar de toco e de propina; ar de 20, 25, 30, 40%; ar de discurso safado; ar de bajulação; ar toma-lá-dá-cá; ar de desculpa maldada; ar de rixa e deduragem; ar chegado à baitolagem; ar de raparigagem; ar de tapa e confusão; ar de lugar sem dono; ar de farra e gente ruim; ar de gente amundiçada, vadia e barra-pesada, ar traíra de Caim; ar de felaputice; ar de zona e lei-do-cão; quá-rá-quá-quá frente às câmara; ar batedor de carteira; ar de esculhambação!
Credo cruz, verbo em carne, padre virge e coisa e tá! (duas reza de ibope com mais três credo as avesso e três missa de Natá). PPPP teje contigo por quanto tempo durar. Pelos poder do supremo. Pelos poder dos poder. Poder das força divina. Poder do PPPP!
Depois da reza aplaudida o cabra solta um seguida, um tirinete de fogos do fumaceiro avoar, Estado Zunido zunir e corruto se mijar
Jessier Quirino é paraibano de Campina Grande, arquiteto por profissão, poeta por vocação, vive atualmente em Itabaiana. É o autor dos livros "Paisagem de Interior", "A Miudinha", "O Chapéu Mau", "O Lobinho Vermelho" e "Agruras da Lata D'Água", além de cordéis, causos, musicas e outros escritos. O crítico do Jornal do Commércio - Recife fez o seguinte comentário, quando do lançamento de seu último livro:
"A poesia matuta já é um estilo consagrado da literatura brasileira. Nomes como Patativa do Assaré, Catulo da Paixão Cearense e Zé da Luz são conhecidos em todo o país como os principais representantes do gênero. Um pouco menos famoso que os três, mas podendo ser considerado tão importante quanto, é Jessier Quirino, poeta paraibano que vem se destacando por seu estilo humorístico."
Fonte:
http://www.releituras.com/jessierq_menu.asp
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11 comentários:
Com poucas palavras é possível explicar a força de Jessier Quirino, não sendo isso por causa de pouco merecimento, mas por ele ser daqueles poetas mastigadores do dia a dia. O dia a dia do Jessier é vivido de verdade.
Sua sensibilidade é uma apoteose a parte, assim como a sua existencia. Quem não o conhece, deve o quanto antes faze-lo, pois ele já é inesquecível quando de uma primeira leitura ou de uma primeira audição.
Jessier é essencialmente um humorista. É bom que mais Brasil o conheça.
Abraço.
Vivi,
você é responsável pela minha admração
pelo poeta e declamador Jessier Quirino. Eu não o conhecia e fiquei apaixonada pelo seu talento:
a cara do Brasil em seu ângulo mais bonito.
Beijos, querida. Obrigada por comentar.
Querido Urariano Mota,
que honra um comment seu. Obrigada!
Verdade, ele retrata o Brasil com delicadeza, beleza e humor [e amor].
Como disse a Viviane, fiquei encantada ao conhecer seu trabalho. Vale a pena divulgá-lo sim!
Forte abraço,
Taninha
Muito BOM, Taninha!
Não conhecia, mas já virei fã.
Obrigada pelo convite.
É a cara do Brasil. Um brasileiro que se dedica à versos cívicos, sem ofender a ninguém explicitamente.
Amei!
Beijos
Mirse
Ele tem poemas lindos.
Há um CD que minha prima gravou para mim, belíssimo!
Eu acho lindo quem não se envergonha de suas raízes e as apresenta ao mundo, sem "salamaleques". rsss...
O bacana é que, em geral, as poesias e músicas do nordeste - falo do forró pé de serra, por exemplo - exploram a sensualidade e as piadas sem vulgaridades - ainda que as palavras sejam "pesadas".
Ah, sou fã! rsss
Obrigada por comentar, bjs!
Taninha,
Essa reza é forte danada. Já havia assitido Jessier na TV Cultura. Achar o tal partido virge de ladroagem exige outra reza-preliminar.
;-)
Beijo,
Marcelo.
Oi, Novaes!
Apôis!!
rssssssss...
Cheiro!
Jessier,
Jessier,
Esse Parafuso é danado de bom. A gente vai lendo e vendo as imagens nítidas dessa bodega.
Eu não conhecia seus escritos, fiquei fã. Mas minha esposa, quando mostrei, me surpreedeu, dizendo que o ano passado já havia utilizado um poema seu em aulas de literatura de cordel, ao lado de Patativa do Assaré e outros.
Agora, se permite, em outras oportunidades, poderá ser utilizado o poema e o video.
Parabéns pela obra!
Ele encanta a gente, não é!?
Demais!!
Bjs!
Oi, Raquel!
Muito obrigada!
Um beijo,
Taninha
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