13 julho, 2010

CECÍLIA MEIRELES – EDUCADORA

Este Blog geralmente apresenta-se com a imagem de um autor da nossa literatura. Tenho observado a presença frequente da poeta Cecília Meireles. Ela é digna merecedora dessa homenagem, por sua vida, sua poesia e também pela sua ação como educadora.
Por tudo isso, enfocaremos nesta postagem a Cecília Meireles Educadora, embora para tanto não possamos esquecer a grande poetisa que foi. Em suas obras há sempre uma preocupação de ensinar, de educar. É importante referir a obras como O Romanceiro da Inconfidência, escrito na década de 1940 e publicado em 1953; e aquela coletânea de poemas voltada mais diretamente para as crianças, Ou Isto ou Aquilo, de 1964.

1. Traços biográficos
Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964) nasceu no Rio de Janeiro. Órfã da mãe aos três anos. Seu pai havia falecido antes mesmo do nascimento de Cecília. Criou-se com sua avó. Sobre essas mortes, escreveria: acarretaram muitos contratempos materiais, mas, ao mesmo tempo, me deram, desde pequenina, uma tal intimidade com a Morte que docemente aprendi essas relações entre o Efêmero e o Eterno”. Aos 20 anos, Cecília publicou a sua primeira obra em poesia, Espectro. Aos 22, Casa-se com o pintor português Fernando Correia Dias, que se suicida em 1935. Casa-se então com o professor Heitor Vinícius da Silveira Grilo.
Eterna viajante, percorreu diversos destinos na América, Europa, Àsia e África. Em alguns desses locais, lecionou, ou fez conferências sobre literatura e teoria literária. Sobre suas viagens ficaram famosas as suas crônicas, publicadas em três volumes.
Cecília Meireles deixou também cinco volumes de crônicas sobre a Educação. A sua obra em prosa encontra-se publicada em seis volumes.
O seu livro de poemas Viagem, de 1939, recebeu da Academia Brasileira de Letras o Prêmio Olavo Bilac.

2. Cecília Meireles e a Escola Nova
Na ação educativa de Cecília está presente sem dúvida a influência da chamada Escola Nova, movimento pedagógico dos anos 30 e 60 no Brasil. Ela é uma das signatárias do Manifesto dos Pioneiros, de 1932. Juntamente com os líderes Fernando Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira, Cecília empenhou-se na militância pela educação no Brasil.
A Escola Nova, um movimento de renovação do ensino que foi especialmente forte na Europa, na América e no Brasil, na primeira metade do século XX . Foi chamada também de Escola Ativa e Escola Progressiva. Os seus principais influenciadores foram: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), os pedagogos Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e Freidrich Fröebel (1782-1852). Na Europa, foram importantes, o psicólogo Edouard Claparède (1873-1940) e o educador Adolphe Ferrière (1879-1960). Porém, é reconhecido como o principal filósofo, pedagogo e educador do movimento, sem dúvida, o norte-americano John Dewey (1859-1952).
No Brasil, talvez o primeiro a lutar pelas ideias da nova escola tenha sido Rui Barbosa (1849-1923). Na década de 1930, surge o grupo que assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, dos quais, como já ressaltamos, foram Lourenço Filho (1897-1970) e Anísio Teixeira (1900-1971), grandes humanistas, filósofos da educação e pedagogos entusiasmados. O pensamento de Dewey unia a todos, a escola deveria ser uma nova comunidade e a educação deveria voltar-se para as atividades próprias da vida. Vida e Educação é uma das principais obras desse autor norte-americano. Consta da coletânea Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 106-179.

3. Um depoimento:
No final dos anos 50 e início de 1960, a influência da Escola Nova ainda era grande nas Universidades brasileiras. Como aluno do curso de Didática, assim chamado na época, e que complementava o Bacharelado e atribuía ao formado o título de Licenciado, eu mesmo cheguei a redigir um trabalho baseado nessa obra, quando o saudoso professor Albano Wolski solicitou uma monografia sobre Educação e Trabalho. O livro de capa verde mantém-se até hoje em minha biblioteca.
4. A cronista Educadora
Como cronista da Educação,assinou colunas nos principais períódicos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Nessa função de jornalista teve de enfrentar as forças ideológica do então governo Getúlio Vargas, a quem ela chamou de Senhor Ditador. Publicou a Página de Educação de 1930 a 1933. Foram mais de mil artigos em que defendia mais liberdade na educação. Queria que as escolas fossem mistas com a presença de ambos os sexos e não aquela separação que existia. Lutava também pela escola pública e não aceitava que as escolas tivessem de ser todas religiosas, como era naquela época.
Cecília voltou mais tarde a atuar em outros órgãos, como A Nação, A Manhã. Em assuntos literários ainda atuou ainda no Diário de Notícias e na Folha de S. Paulo. Portanto, colaborou nos principais jornais da época e alguns deles ainda importantes em nossos dias.

5. Um segundo depoimento:
Sobre a frequencia de meninos e meninas em ambientes separados, aqui em Curitiba, permanece um retrato vivo da situação. É o prédio da Escola Xavier da Silva, na Av. Silva Jardim, no centro, que ainda funciona em um bonito edifício daqueles tempos de 1920 e 1930. Lá está gravado na própria construção em relevo um dos blocos: ALA MASCULINA; em outro, ALA FEMININA. Para os mais jovens, hoje isso soa totalmente inusitado e inverossímil.
Em textos sobre essa Escola, consta, por exemplo:
“Em 1903, o Grupo Escolar Dr. Xavier da Silva foi inaugurado. Com seis salas de aula, tinha por objetivo atender as quatro séries primárias, com seções separadas para meninos e meninas e, para isso, seriam três salas para cada sexo.”
(http://www.oei.es/pdf2/rbep_224_arquitetura_grupos_escolares.pdf. Acesso em 13.jul..2010)
e
"Estado do Paraná – 1914 - Grupos escolares: Função - Série
Grupo Escolar Xavier da Silva
Seção feminina
Maria Rosa G. do Nascimento - Diretora
Leonor Machado Busse - Professora da 1.ª série
Carolina Pinto Moreira - Professora da 2.ª série
Anna Pereira Marques - Professora da 2.ª série
Seção masculina
Verissimo Antonio de Sousa - Diretor
Lindolpho Pires da R. Pombo - Professor da 3.ª série
Brasilio Ovidio da Costa - Professor da 2.ª série
Aristeu Corrêa de Bittencourt - Professor da 1.ª série"
A educação naquele tempo era assim: perfeita separação dos alunos por sexo.

TEXTOS:
I – Fragmento de uma crônica
Mas, enquanto uma reforma do Ensino Primário, como a que nos deixou o governo findo, nos promete - embora da sombra e da frialdade a que a condenaram - uma era nova, e de real importância, para a nossa nacionalidade, o regime atual, que tanto tem invocado a Liberdade como sua padroeira, nos coloca nas velhas situações de rotina, de cativeiro e de atraso que aos olhos atônitos do mundo proclamarão, só por si, o formidável fracasso da nossa revolução... Veio o sr. Francisco Campos com o seu feixe de reformas na mão. E, em cada feixe, pontudos espinhos de taxas... E esperávamos uma reforma de finalidades, de ideologia, de democratização máxima do ensino, da escola única - todas essas coisas que a gente precisa conhecer antes de ser ministro da educação...Depois veio o decretozinho do ensino religioso. Um decretozinho provinciano, para agradar alguns curas, e atrair algumas ovelhas...decreto em que fermentam os mais nocivos efeitos para a nossa pátria e para a humanidade. Chama-se a isto ser liberal. Fala-se da religião como de um movimento de liberdade. Liberdade! Oh! mas, afinal, sejamos coerentes. Façamos o déspota. Façamos o vizir. Façamos, de certo modo, o César do século 20. Mas conservemos a significação dos nomes!

(MEIRELES,Cecília. Página de Educação, Diário de Notícias, 6. maio.1931 – Fragmento. http://www.casadobruxo.com.br/poesia/c/cec_esp2.htm - Acesso em 13 jul..2010)

II - Edmundo, o Céptico
Naquele tempo, nós não sabiamos o que fosse cepticismo. Mas Edmundo era céptico. As pessoas aborreciam-se e chamavam-no de teimoso. Era uma grande injustiça e uma definição errada.
Ele queria quebrar com os dentes os caroços de ameixa, para chupar um melzinho que há lá dentro. As pessoas diziam-lhe que os caroços eram mais duros que os seus dentes. Ele quebrou os dentes com a verificação. Mas verificou. E nós todos aprendemos à sua custa. (O cepticismo também tem o seu valor!)
Disseram-lhe que, mergulhando de cabeça na pipa d'água do quintal, podia morrer afogado. Não se assustou com a idéia da morte: queria saber é se lhe diziam a verdade. E só não morreu porque o jardineiro andava perto.
Na lição de catecismo, quando lhe disseram que os sábios desprezam os bens deste mundo, ele perguntou lá do fundo da sala: "E o rei Salomão?" Foi preciso a professora fazer uma conferência sobre o assunto; e ele não saiu convencido. Dizia: “Só vendo.” E em certas ocasiões, depois de lhe mostrarem tudo o que queria ver, ainda duvidava. “Talvez eu não tenha visto direito. Eles sempre atrapalham.” (Eles eram os adultos.)
Edmundo foi aluno muito difícil. Até os colegas perdiam a paciência com as suas dúvidas. Alguém devia ter tentado enganá-lo, um dia, para que ele assim desconfiasse de tudo e de todos. Mas de si, não; pois foi a primeira pessoa que me disse estar a ponto de inventar o moto contínuo, invenção que naquele tempo andava muito em moda, mais ou menos como, hoje, as aventuras espaciais.
Edmundo estava sempre em guarda contra os adultos: eram os nossos permanentes adversários. Só diziam mentiras. Tinham a força ao seu dispor (representada por várias formas de agressão, da palmada ao quarto escuro, passando por várias etapas muito variadas). Edmundo reconhecia a sua inutilidade de lutar; mas tinha o brio de não se deixar vencer facilmente.
Numa festa de aniversário, apareceu, entre números de piano e canto (ah! delícias dos saraus de outrora!), apareceu um mágico com a sua cartola, o seu lenço, bigodes retorcidos e flor na lapela. Nenhum de nós se importaria muito com a verdade: era tão engraçado ver saírem cinquenta fitas de dentro de uma só... e o copo d’água ficar cheio de vinho...
Edmundo resistiu um pouco. Depois, achou que todos estávamos ficando bobos demais. Disse: “Eu não acredito!”. Foi mexer no arsenal do mágico e não pudemos ver mais as moedas entrarem por um ouvido e saírem pelo outro, nem da cartola vazia debandar um pombo voando... (Edmundo estragava tudo. Edmundo não admitia a mentira. Edmundo morreu cedo. E quem sabe, meu Deus, com que verdades?).

(Publicado em Quadrante 2. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1962, p. 122).

III – Ou Isto ou Aquilo
Ou se tem chuva e não se tem sol
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!


Quem sobe nos ares não fica no chão,
quem fica no chão não sobe nos ares.


É uma grande pena que não se possa estar
ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e gasto o dinheiro.


Ou isto ou aquilo, ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!


Não sei se brinque, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo.


Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.

CONCLUSÃO
Aí estão textos que falam por si e demonstram a atividade de Cecília Meireles como educadora. Educadora, sim, porém sem nunca ter abandonado o estilo e o espírito da grande poeta que sempre foi, lírica, sensível, atuante.

3 comentários:

Tania Anjos disse...

A postagem tem o brilho de um educador de primeira que, além de nos acrescentar conhecimento acerca dos passos da educação na história de nosso país, fala do brilho de uma mulher que esteve à frente de seu tempo e que nos ensina e encanta - sempre. Cecília Meireles me parece uma artista completa. Foi talentosa, sensível e doce sem se perder da lucidez e coragem...

Os textos são ótimos, sensacionais! E o poema também!

"Ou Isto ou Aquilo" me leva às mais profundas reflexões acerca de "escolhas"... Muitas vezes tão difíceis...


Parabéns e muito obrigada, professor.


Grande abraço.
Taninha

Jayme Ferreira Bueno disse...

Taninha,
O fado de que falei na postagem anterior, cantado por Amália, recebeu o título NAUFRÁGIO.
Eu o ouvi há pouco no endereço:
http://www.youtube.com/watch?v=7s66FLIgRTY
Abraço,
Jayme

Jayme Ferreira Bueno disse...

Oi, Taninha
O que você diz sobre Cecília está corretíssimo. Ela foi uma poetisa de rara sensibilidade. Em Portugal, alguns de seus poemas foram musicados como Fado. Por exemplo, há um Fado muito bonito cantado pela saudosa Amália Rodrigues. É o poema CANÇÃO:
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
(O poema tem uma última estrofe que não foi incluída como letra do Fado. Acontece que essa última estrofe dá uma solução pacífica para o poema. Para o Fado isso não interessa. O que importa mesmo é o trágico.)

A estrofe é a seguinte:
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Termino com esta frase de Cecília:
Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.
Um grande abraço e obrigado pelo comentário elogioso.
Jayme