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Como todo brasileiro mais ou menos letrado, venho acompanhando a sucessão de escândalos da Casa Civil – ou da Casa da Dilma, porque afinal foi lá que se fez o ninho de sua candidatura pela mão do presidente Lula. O aspecto que mais vem chamando a atenção dos analistas é o fato de que nada disso parece até o momento afetar os índices das pesquisas da eleição, ainda que haja um ou outro estremecimento aqui e ali, quase imperceptíveis.
As explicações para essa ausência de ressonância são muitas – a principal delas, a satisfação de uma larga parcela do povo beneficiada pelo crescimento econômico brasileiro, para a qual o noticiário, em qualquer caso, é irrelevante. Para outra faixa, a “roubalheira” seria “a de sempre”, “política é assim mesmo”, esse pessoal “rouba mas faz”, e se repetem as clássicas afirmações populares que atestam a simples e centenária despolitização brasileira. E para muitos tudo não passaria de uma conspiração da “imprensa vendida”, a velha válvula de escape. Amparados na popularidade messiânica de Lula, os candidatos do governo recebem afagos do chefe e seguem em frente, sorridentes na fotografia. Nada parece fazer diferença.
Quando Lula perguntou, há algumas semanas, “onde está esse tal de sigilo”, produziu uma piada cretina, é verdade – mas deu mais um exemplo da natureza de seu sucesso, que é o horror a abstrações. Ao transformar o “sigilo” – um complexo conceito criado pela civilização para proteger os direitos do indivíduo – num malfeitor que precisa ser “preso”, ao mesmo tempo não disse nada, encerrou o assunto e deixou uma imagem concreta na cabeça do eleitor desavisado. Uma imagem inútil, mas tranquilizadora.
Outra abstração de difícil percepção popular, pelo menos no Brasil de hoje, é a separação fundamental entre Estado, governo e partido político. Lula se comporta como alguém que, em oito anos de mandato, ainda não conseguiu se transformar em presidente. A sem-cerimônia com que o aparelho inteiro do Estado, sob a aguerrida onipresença do próprio Lula, se lança na campanha presidencial, filmada em autoespetáculo pela própria tevê estatal, sem sequer o pudor de uma licença do cargo, dá a impressão assustadora de uma arrogância triunfante e corrupta, vivendo a pura lógica de terra arrasada, como se o sucesso de seu governo não melhorasse o país, mas paradoxalmente o tornasse pior, vivendo o ressentimento e a volúpia de uma vingança contra um “inimigo” que, de fato, jamais teve. Pelo contrário, durante oito anos Lula contou com o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar, repetindo a velha piada.
Por um Fiat Elba, Collor virou farelo. Diante dos renitentes escândalos da Casa Civil, parece que o que está fazendo falta mesmo é um PT, que, como nos velhos tempos, não deixasse passar um fio de cabelo sem ligar o megafone. Mas acho que isso já é pedir abstração demais.
As explicações para essa ausência de ressonância são muitas – a principal delas, a satisfação de uma larga parcela do povo beneficiada pelo crescimento econômico brasileiro, para a qual o noticiário, em qualquer caso, é irrelevante. Para outra faixa, a “roubalheira” seria “a de sempre”, “política é assim mesmo”, esse pessoal “rouba mas faz”, e se repetem as clássicas afirmações populares que atestam a simples e centenária despolitização brasileira. E para muitos tudo não passaria de uma conspiração da “imprensa vendida”, a velha válvula de escape. Amparados na popularidade messiânica de Lula, os candidatos do governo recebem afagos do chefe e seguem em frente, sorridentes na fotografia. Nada parece fazer diferença.
Quando Lula perguntou, há algumas semanas, “onde está esse tal de sigilo”, produziu uma piada cretina, é verdade – mas deu mais um exemplo da natureza de seu sucesso, que é o horror a abstrações. Ao transformar o “sigilo” – um complexo conceito criado pela civilização para proteger os direitos do indivíduo – num malfeitor que precisa ser “preso”, ao mesmo tempo não disse nada, encerrou o assunto e deixou uma imagem concreta na cabeça do eleitor desavisado. Uma imagem inútil, mas tranquilizadora.
Outra abstração de difícil percepção popular, pelo menos no Brasil de hoje, é a separação fundamental entre Estado, governo e partido político. Lula se comporta como alguém que, em oito anos de mandato, ainda não conseguiu se transformar em presidente. A sem-cerimônia com que o aparelho inteiro do Estado, sob a aguerrida onipresença do próprio Lula, se lança na campanha presidencial, filmada em autoespetáculo pela própria tevê estatal, sem sequer o pudor de uma licença do cargo, dá a impressão assustadora de uma arrogância triunfante e corrupta, vivendo a pura lógica de terra arrasada, como se o sucesso de seu governo não melhorasse o país, mas paradoxalmente o tornasse pior, vivendo o ressentimento e a volúpia de uma vingança contra um “inimigo” que, de fato, jamais teve. Pelo contrário, durante oito anos Lula contou com o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar, repetindo a velha piada.
Por um Fiat Elba, Collor virou farelo. Diante dos renitentes escândalos da Casa Civil, parece que o que está fazendo falta mesmo é um PT, que, como nos velhos tempos, não deixasse passar um fio de cabelo sem ligar o megafone. Mas acho que isso já é pedir abstração demais.
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(TEZZA, Cristovão - escritor e colunista da Gazeta do Povo. Crônica publicada em 21/09/2010)
3 comentários:
Excelente post, Prof. Jayme!
Interessante que atualmente muito se fala "no poder de compra" do brasileiro e pouco se fala nas abusivas taxas de juros - embutidas em tudo que o comércio pode vender. Se negando, inclusive, a tornar o preço à vista mais barato, forçando o consumidor aos crédidos. Da mesma forma agem os bancos, com suas ofertas "irrecusáveis" para quem está no vermelho ficar "roxo"...
Hoje mesmo, ouvi uma reportagem divulgando que um entre quatro brasileiros está endividado.
E o povo comemora!! Enfim... "Quem se importa?". O "ter" fala mais alto...
Forte abraço, prof.
Taninha
Ola Professor,
O exercício de reesquentar matérias e sapecar na opnião pública pouco antes das eleições, é costume antigo nesse pais. Questões antigas levantadas, como quebra de sigilo que tem mais de um ano e outras mais recentes, considero meramente eleitoriais. Isso não significa entretanto que não devam ser apuradas e levadas e responsabilizados quem tiver culpa, até o fim. Mas no momento são meramente eleitoriais. Faltam menos de duas semanas para a eleição e muita coisa ainda virá por ai.
Nesse clima de campanha, em uma palestra dia desses, o filósofo e educador, Mário Sérgio Cortela, disse que feliz dos brasileiros que hoje tem nomes de candidatos a presidência, como Dilma, Marina, Plinio, Serra, entre outros para escolher. E é verdade, pois se comparassemos com um passado recente, iriamos ter figuras nada recomendáveis como ex-governadores e eternos condenados que não vão para a cadeia, porque ainda conseguem fazer valer o dinheiro que conseguiram.
Portanto, tenho que concordar com Cortela, pois além desses candidatos, ainda temos um presidente que está sendo indicado para o Prêmio Nobel: Lula.
Vejam:
http://www.pt-sp.org.br/noticia.asp?p=Mundo&acao=verNoticia&id=1775
Abraços
Ka,
Obrigado pelo comentário.
Como as convicções políticas são múltiplas e variadas, todos temos o dever de respeitá-las. Assim, entendo o seu comentário.
Por outro lado, os sociólogos e comentaristas políticos vêm alertando para a grande herança que o atual e, provavelmente, o próximo governo deixarão em termos de futuras complicações políticas para um país que se quer tornar potência e aproximar-se do mundo desenvolvido, embora ainda estejamos bastante longe disso. Há, porém, uma grande propaganda no sentido de querer afirmar que estamos próximos. Contudo, é só ver os índices da saúde, da segurança e da educação públicas, e perceberemos que ainda frequentamos os últimos lugares no ranking mundial. Veremos também quão longe estamos dos países desenvolvidos.
Todos gostaríamos, e devemos trabalhar para isso, que o nosso país realmente melhore em todos os setores, e a diferença entre nós e outros povos diminua, para que quando afirmarmos que estamos chegando lá seja uma verdade e não apenas propagandas dos governantes.
Um abraço,
Jayme
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