Fernando Henrique Cardoso (Rio de Janeiro, 18-06-1931), antes, durante e depois da presidência da República, tem se portado como o intelectual e sociólogo que realmente é. Doutor em Ciências Políticas pela USP (1961), fez estudos de pós-graduação na Universidade de Paris. Na época da Revolução de 1964, exilou-se no Chile e depois na França. Nesses países, conviveu com dirigentes das principais organizações políticas internacionais, principalmente a ONU. Foi interlocutor de políticos importantes da América do Sul e da Europa. Trabalhou na CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe e no ILPES - Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social, onde também foi professor. Lecionou na FLACSO - Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, e na Universidade do Chile. Em Paris, para onde se mudou em 1967, foi professor da Universidade de Paris-Nanterre. De volta ao Brasil, em 1968, retomou a carreira acadêmica e assumiu a cadeira de Política na USP. Mais tarde, fundou o CEBRAP - Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Em 1969, publicou seu mais importante livro, Dependência e Desenvolvimento na América Latina (com Enzo Faletto) e, em 1971, Política e Desenvolvimento em Sociedades Dependentes: Ideologias do Empresariado Industrial Argentino e Brasileiro. Em 1975, saiu outra importante obra: Autoritarismo e Democratização. Antes de começar carreira política, lecionou nas universidades de Stanford (1972), Cambridge (1976-1977) e Paris (1977).
Seu primeiro cargo político, em 1978, foi como suplente de Senador pelo antigo MDB. Em 1980, participou da fundação do PMDB e, três anos mais tarde, assumiu o Senado, quando Montoro assumiu o governo de São Paulo. Reelegeu-se em 1986. Em 1985, havia se candidatado para a à prefeitura de São Paulo, mas perdeu para Jânio Quadros. Foi um dos fundadores do PSDB, em 1988. No governo de Itamar Franco, foi ministro das Relações Exteriores (1992-1993) e depois ministro da Fazenda (1993-1994). Neste cargo, lançou o Plano Real, com o qual o país conseguiu algo inédito, a estabilização econômica. Elegeu-se presidente como o candidato da aliança PSDB/PFL/PTB/PPB. Reelegeu-se em 1998, graças a uma emenda constitucional aprovada em seu primeiro mandato
Em julho de 1995, Fernando Henrique Cardoso foi homenageado com os graus de Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra e da Universidade do Porto, ambas em Portugal. É co-presidente do Inter-American Dialogue; membro dos Conselhos Consultivos do Institute for Advanced Study, da Universidade de Princeton; e da Fundação Rockefeller, em NovaYork.
Sobre política e governo, publicou Dependência e Desenvolvimento na América Latina, 1969; Perspectivas, 1983; O mundo em português, 1998; O presidente segundo o sociólogo, também 1998. Escreveu uma obra autobiográfica, em que avalia o seu governo, A Arte da Política: a história que vivi, 2006. Nesse mesmo ano, publicou Carta a um jovem político. Ainda em 2006, em 7 de setembro de 2006, lançou Carta aos Brasileiros, na qual analisa o momento político e as eleições de 2006.
Foi casado com a antropóloga Ruth Cardoso, discípula de Lévi-Strauss, na França. Ela foi professora e grande colaboradora do governo. Foi idealizadora e uma das criadoras da Comunidade Solidária, órgão ligado à Presidência da República, mas não-governamental - como ela própria gostava de salientar. A Comunidade Solidária reunia representantes de ministérios da área social, da sociedade civil e do empresariado. Segundo Dilma Pena, Secretária de Saneamento e Energia do Governo do Estado de São Paulo, Dona Ruth “mobilizou todo o País pela solidariedade, com uma política solidária respeitosa para que cada vez mais o brasileiro fosse cidadão no sentido pleno”.
Recentemente, Fernando Henrique Cardoso publicou um artigo, Para Onde Vamos?, que se tornou polêmico pelos problemas que enfoca:
A enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas, frases presidenciais aparentemente sem sentido e muita propaganda talvez levem as pessoas de bom senso a se perguntarem: afinal, para onde vamos? Coloco o advérbio “talvez” porque alguns estão de tal modo inebriados com “o maior espetáculo da terra”, de riqueza fácil que beneficia a poucos, que tenho dúvidas. Parece mais confortável fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes. Tornou-se habitual dizer que o governo Lula deu continuidade ao que de bom foi feito pelo governo anterior e ainda por cima melhorou muita coisa. Então, por que e para que questionar os pequenos desvios de conduta ou pequenos arranhões na lei?
Só que cada pequena transgressão, cada desvio, vai se acumulando até desfigurar o original. Como dizia o famoso príncipe tresloucado, nesta loucura há método. Método que provavelmente não advenha do nosso Príncipe, apenas vítima, quem sabe, de apoteose verbal. Mas tudo o que o cerca possui um DNA que, mesmo sem conspiração alguma, pode levar o país, devagarinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade, que pouco têm a ver com nossos ideais democráticos.
É possível escolher ao acaso os exemplos de “pequenos assassinatos”. Por que fazer o Congresso engolir, sem tempo para respirar, uma mudança na legislação do petróleo mal explicada, mal ajambrada? Mudança que nem sequer pode ser apresentada como uma bandeira “nacionalista”, pois se o sistema atual, de concessões, fosse “entreguista” deveria ter sido banido, e não foi. Apenas se juntou a ele o sistema de partilha, sujeito a três ou quatro instâncias político-burocráticas para dificultar a vida dos empresários e cevar os facilitadores de negócios na máquina pública. Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares se o processo de seleção não terminou? Por que tanto ruído e tanta ingerência governamental em uma companhia (a Vale) que, se não é totalmente privada, possui capital misto regido pelo estatuto das empresas privadas? Por que antecipar a campanha eleitoral e, sem qualquer pudor, passear pelo Brasil às custas do Tesouro (tirando dinheiro do seu, do meu, do nosso bolso...) exibindo uma candidata claudicante? Por que, na política externa, esquecer-se de que no Irã há forças democráticas, muçulmanas inclusive, que lutam contra Ahmadinejad e fazer mesuras a quem não se preocupa com a paz ou os direitos humanos?
Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do “autoritarismo popular” vai minando o espírito da democracia constitucional. Essa supõe regras, informação, participação, representação e deliberação consciente. Na contramão disso tudo, vamos regressando a formas políticas do tempo do autoritarismo militar, quando os “projetos de impacto” (alguns dos quais viraram “esqueletos”, quer dizer obras que deixaram penduradas no Tesouro dívidas impagáveis) animavam as empreiteiras e inflavam os corações dos ilusos: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Em pauta, temos a transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e as centenas de pequenas obras do PAC, que, boas algumas, outras nem tanto, jorram aos borbotões no orçamento e minguam pela falta de competência operacional ou por desvios barrados pelo TCU. Não importa: no alarido da publicidade, é como se o povo já fruísse os benefícios: “Minha casa, minha vida”; biodiesel de mamona, redenção da agricultura familiar; etanol para o mundo e, na voragem de novos slogans, pré-sal para todos.
Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo “Brasil potência”. Até mesmo a apologia da bomba atômica como instrumento para que cheguemos ao Conselho de Segurança da ONU – contra a letra expressa da Constituição – vez por outra é defendida por altos funcionários, sem que se pergunte à cidadania qual o melhor rumo para o Brasil. Até porque o presidente já declarou que em matéria de objetivos estratégicos (como a compra dos caças) ele resolve sozinho. Pena que tivesse se esquecido de acrescentar “l’État c’est moi”. Mas não esqueceu de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos de aviões de caça para defender “nosso pré-sal”. Está bem, tudo muito lógico.
Pode ser grave, mas, dirão os realistas, o tempo passa e o que fica são os resultados. Entre estes, contudo, há alguns preocupantes. Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites. Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo. Este último tem método. Estado e sindicatos, Estado e movimentos sociais estão cada vez mais fundidos nos altos-fornos do Tesouro. Os partidos estão desmoralizados. Foi no “dedaço” que Lula escolheu a candidata do PT à sucessão, como faziam os presidentes mexicanos nos tempos do predomínio do PRI. Devastados os partidos, se Dilma ganhar as eleições, sobrará um subperonismo (o lulismo) contagiando os dóceis fragmentos partidários, uma burocracia sindical aninhada no Estado e, como base do bloco de poder, a força dos fundos de pensão. Estes são “estrelas novas”. Surgiram no firmamento, mudaram de trajetória e nossos vorazes mas ingênuos capitalistas recebem deles o abraço da morte. Com uma ajudinha do BNDES, então, tudo fica perfeito: temos a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.
Ora dirão (já que falei de estrelas), os fundos de pensão constituem a mola da economia moderna. É certo. Só que os nossos pertencem a funcionários de empresas públicas. Ora, nessas, o PT, que já dominava a representação dos empregados, domina agora a dos empregadores (governo). Com isso, os fundos se tornaram instrumentos de poder político, não propriamente de um partido, mas do segmento sindical-corporativo que o domina. No Brasil, os fundos de pensão não são apenas acionistas – com a liberdade de vender e comprar em bolsas – mas gestores: participam dos blocos de controle ou dos conselhos de empresas privadas ou “privatizadas”. Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados, eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições. Comecei com para onde vamos? Termino dizendo que é mais do que tempo de dar um basta ao continuísmo antes que seja tarde.
ALGUNS COMENTÁRIOS:
1. Elio Gasperi, jornalista, em artigo intitulado: FHC Expôs o Lado Sombrio do Poder Petista:
“Fernando Henrique Cardoso está em grande forma. Num artigo intitulado ‘Para onde vamos?’ mostrou que é a única voz articulada com coragem para acertar a testa de Nosso Guia. (...)
Seu argumento central faz todo sentido: Lula está construindo uma teia de alianças e interesses que desembocará num "subperonismo". (...) O ex-presidente adverte para a formação de um novo ‘bloco de poder’, interessado num continuísmo que deve ser contido, pelo voto, ‘antes que seja tarde’.
Em dois momentos o ex-presidente teve a infelicidade de comparar atitudes do atual governo com práticas do tempo do "autoritarismo militar". Lula, com seus ‘impropérios’ é capaz de ‘matar moralmente empresários, políticos, jornalistas’. O ex-presidente exagerou”.
2. Carlos Guilerme Mota, historiador, na entrevista O risco de uma nova marcha autoritária, Gazeta do Povo, 09/11/09:
Pergunta: O ex-presidente FHC acertou ao dizer que o governo Lula conduz o Brasil para um subperonismo?
Resposta: “Prefiro definir o cenário como um superpresidencialismo desbussolado e pitoresco. A nação assiste, bestificada, à montagem de um novo bloco de poder. O tratamento dado ao segmento social que o governo entende por povo tem algo em comum com o dos descamisados de Evita e de Perón, mas é pior”.
Pergunta: No que é pior?
Resposta: “Porque o populismo de Perón politizava, e o pobrismo daqui avilta. O assistencialismo brasileiro é deprimente, pois trata esses condenados da terra como fracassados. E as condições de melhoria social – tão sonhada e ensinada por figuras como Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro ou Florestan Fernandes – são pífias. Aqui o capitalismo andou para um lado e a política social andou para outro. Basta ver que o governo não consegue encaminhar a questão dos sem-terra, por exemplo.(...)”.
3. José dos Santos, em http://joseagripino.wordpress.com/2009/11/04/para-onde-vamos-de-fernando-henrique-cardoso/
Como bem disse Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra.
Porém, podem me bater, o FHC foi mais importante pro país do que Lula, e Lula sabe disse. O FHC implantou mudanças estruturais no país. E o Lula, o que mudou na superestrutura do país? (...)
O grande pecado do FHC: privatizações. Foi a coisa mais demoníaca que o FHC fez. E o Lula, quantos empresas reestatizou? 0x0. Ou seja, o Lula é mais “privatista” do que o FHC, pois apenas chancelou o grande pecado do FHC. Por que não seguiu o exemplo do Chaves? O Chaves foi coerente, pois, ao contrario do Lula, estatizou (...).
Eu morei no interior do Pará antes e depois da CELPA ser privatizada. Simplesmente era impossível ter freezer. Assim que congelava, acabava a luz e todo que tinha lá o povo tinha que engolir correndo, se não estragava tudo. (...)Tá precisando cortar a grama, como falar com o cara. Só pegando o carro e indo atrás dele. Hoje, dá pra chamar o cara tanto em casa como na rua: a miragem estatal do telefone pra pobre, acabou. Ele tem celular e linha fixa.
Aliás, as estatais que ficaram, serviram, principalmente, pra cabide de emprego. (...) E o requisito pra contratar esses caras, tenho certeza, foi só e apenas “mérito”, não é verdade? (...) Já imaginou se o FHC não tivesse privatizado aquele monte de estatais? Cara, ia ter petista saindo pelo ralo.(...) Um dos motivos da Petrobras ter que fazer empréstimo no BNDES (inacreditável) foi o inchaço da estatal. Aliás, foi a estatal que mais “ajudou” os “companheiro”. (...)
Ah! a Vale foi vendida abaixo do valor de mercado. Qual o melhor parâmetro pra saber o valor de mercado de qualquer bem? Colocar à venda, é obvio. O preço pelo qual é vendido é valor de mercado. Aliás, não teve venda mais divulgada, até hoje, do que a Vale. Todo mundo sabia do Leilão. (...) Pergunto: como pode ter malandragem na venda da Vale? (...) E a EMBRAER? Tornou-se a 3.ª maior fabricante de aviões. Pergunto: vocês acham que foi ruim o FHC “entregar” a EMBRAER pros malvados capitalistas?
O maior mérito do Lula, com certeza, foi na economia. Quem é que promoveu as mudanças necessárias pra arrumar a economia? Não preciso dizer, todo mundo sabe quem foi. (...)Um avanço importante na educação foi estabelecer uma prova universal para todo mundo que acabava o ensino médio e superior. Também mudou de nome. Era “provão”, agora é... esqueci o nome, me lembrem.
4. É bom lembrar e eu lembro bem de uma decisão tomada contra membro de sua própria família. Seu filho era casado com uma herdeira do Banco Nacional. Ele, como Presidente e com o objetivo de sanear o sistema bancário nacional, para que não acontecesse o que aconteceu recentemente nos EUA e no mundo, decretou a falência do Banco da família Magalhães Pinto. Do mesmo modo, assinou o encerramento das atividades do Banco Bamerindus de propriedade do senador paranaense, José Eduardo de Andrade Vieira, ministro da Indústria, Comércio e Turismo (out.1992/dez.1993) e cumulativamente de set./1993/out. 1993 com o Ministério da Agricultura, no governo Itamar Franco e, portanto seu colega de Ministério. Depois, Andrade Vieira participou do governo de Fernando Henrique Cardoso, no cargo de Ministro da Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrária de jan.1995/maio 1993. Este banqueiro e político paranaense, grande amigo pessoal de Fernando Henrique e que foi participante ativo e grande financiador da campanha para a eleição do próprio Fernando Henrique à presidência da República, teve seu Banco e de sua família liquidado. Com a decretação do fim do Banco Bamerindus, o banqueiro teve todos seus bens, como os da sua família, tornados indisponíveis. Os ativos do Bameríndus de que Eduardo Vieira era Presidente foram transferidos para o grupo HSBC.
5. Com estas medidas e outras liquidações, o governo de Fernando Henrique Cardoso conseguiu sanear o sistema bancário brasileiro e nenhum depositante teve prejuízo, porque antes, como presidente da República, FHC havia criado o PROER - Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional.
JAYME FERREIRA BUENO, 10/11/2009
6 comentários:
Professor Jayme,
Esse artigo dá margem a uma lista de observações. Tentarei não ser tão exaustivo.
1) O Governo Lula teve, sim, desde a origem "um projeto de poder para vinte anos". Essa a base pragmático-ideológica que motivou ações da cúpula do comando petista em práticas como mensalão e alianças de espectro "demasiado amplo".
2) Lula , em vez de enxugar a máquina pública, ampliou os cargos de confiança, ocupando-os com SINDICALISTAS, num esforço de obter controle político sobre áreas estratégicas. Que são áreas TÉCNICAS. temos mais de 20000 cargos dessa natureza ocupados por "petistas de carteirinha".
3) A despeito de sua informalidade e jeito despachado-bonachão, que são componentes do que se convencionou poder ser chamado como "Carisma", a política externa de Lula, pautada também por uma defesa de "pragmatismo" (sic) errou em casos acintosos, sobretudo no que diz respeito a direitos humanos. Foi condescendente com o tirano Mahmoud Ahmadinejad, eleito fraudulentamente no Irã, assassino de curdos, "incrédulo cínico" da existência do Holocausto, déspota não-esclarecido, a quem Lula nunca dirigiu uma palavra de repúdio, em nome dos "interesses comerciais Brasil-Irã". Dou um nome a isso: frouxidão ética. Lula em sua performance de "descontração descompromissada" ousou comparar as fraudes envolvendo milícias e legitimidade do processo de eleição no Irã como "rixa entre flamenguistas e vascaínos".
4) Lula mostra mais do que condescendência com o igualmente tirano "déspota-não esclarecido" Hugo Chavez, a quem sempre elogiou como "artilheiro matador", desde sua primeira eleição na Venezuela (mais uma vez, temos a metáfora populista-futebolística). Nenhuma palavra sobre a violação dos direitos humanos naquele país, nem sobre o projeto "à la Castro" de Hugo Chavez para o prosseguimento de seu comando "ad eternum". Leio nas entrelinhas a velha máxima de uma esquerda trotskista: "Os fins justificam os meios". os meios de Lula eram outros, mas o mensalão explicitou algumas de suas espúrias nuances.
(continua)
5)Outra gafe magistral no campo da política internacional e relações exteriores foi o papel pífio da Embaixada Brasileira e do Ministro Celso Amorim no caso de Manuel Zelaya e seu comitê-palanque de abrigados, na embaixada brasileira. O modus operandi de Zelaya, que goza da amizade de Hugo Chavez, incluiu monopólios de programas de rádios transmitindo suas plataformas e realizações de governo. Método muito semelhante á monopolizaão da imprensa levada a cabo, sobejamente, por Chavez, em seu próprio país. Foi necessária a intervenção da diplomacia norte-americana para romper com a inércia / inépcia diplomática brasileira no tocante a esta questão.
6) Se o TCU não aprova orçamentos de obras do PAC, Lula não quer entrar no mérito da questão. Não importam as "questões de mérito" (fraudes em licitações, super-faturamento e outras que tais). Ele quer "celeridade". mais uma vez, pragmatismo. O que me faz lembrar o "rouba, mas faz" (o famoso lema do “Ademarismo”, continuado e ampliado pelo “Malufismo”).
7) reformas políticas estruturais que enxugariam o desperdício da máquina pública e moralizariam as Casas Executiva e Legislativa?! Essa sempre foi uma bandeira petista. A bancada petista não se mostra minimamente empenhada nessa reforma.
8) deve-se dizer que poucas vezes a dobradinha Polícia federal / Ministério Público trabalhou tanto neste país. Isso até encontrar a muralha intransponível de esbarrar em banqueiros/ doleiros/estelionatários, do porte de um Daniel Dantas, que disse, acintosamente, "só temer por sua condenação em primeira instância", fruto do trabalho conjunto do delegado Protógenes e do desassombrado Juiz Fausto de Sanctis. ("Insubmisso", na leitura do Ministro Gilmar Mendes). Daniel Dantas se ufanava de ter o Judiciário Federal nas mãos. O (des)encaminhamento do seu caso prova que ele sabia o que falava, bem como a demissão de Protógenes, e as repreensões públicas de Gilmar Mendes ao "renitente indócil" Juiz de Sanctis. "Habeas Corpus" para crime de colarinho branco provou ser uma das especialidades do Ministro Gilmar. O bate-boca dele com o também Ministro Joaquim Barbosa, nos termos em que se deu, mostra a quantas anda nosso Judiciário.
9) O ufanismo do pré-sal coloca o Governo Lula num bico de sinuca, uma vez que sua política de “país modelo de projeto-de-contenção de emissão de poluentes” (pela divulgação das supostas vantagens ecológicas do etanol), agora sucumbe ao sonho de ser um fornecedor da matéria-prima mais poluente, que deveria ser substituída ao longo da próxima década. Um punhado de injeção no PIB parece estancar as discussões ideológicas, não é mesmo?! A isso chamamos "pragmatismo neoliberal". As medidas insuficientes no que diz respeito à Amazônia já são sabidas, e deram ensejo não só à demissão da ex-ministra Marina Silva, como à sua SAÍDA DO PARTIDO. Não são questões menores.
Apenas por essas poucas razões, sem entrar no mérito de comparações dos Governos FHC com Lula, não posso considerar nosso presidente propriamente um "Estadista". Lula é um operário que chegou à presidência, com noção biográfica do que seja pobreza, mas com visão macro-política cheia de incongruências e impasses.
Esse comentário pinço alguns tópicos que já foram contemplados pelo abrangente artigo do Professor Jayme, além de incluir algumas nuances próprias. Pretendendo com isso, tão somente, ter "levantado a bola" para futuras novas discussões, desses e outros tópicos.
Parabéns pelo didatismo e abrangência do artigo, Professor.
Abração,
Marcelo.
Prezado Marcelo,
Inicialmente quero confessar que admiro muito a sua contundência. Você diz o que sente sem meias-palavras. Vai direto ao assunto. Gosto muito dessa qualidade, embora eu, pessoalmente, até por temperamento, sou bem mais comedido, não por receio, mas por estilo.
Numa metáfora futebolística, tão a gosto do Nosso Guia, como o chama Elio Gasperi, sou mais o lançador ao velho estilo de Gérson, o Canhotinha de Ouro. Não sou também do tipo daqueles defesas marcadores e duros de cintura, como foi o nosso ranzinza Dunga. Agora, chutar direto ao gol, como você faz, fica por conta dos Luís Fabiano, o Fabuloso; ou, então, de atacante do passado: Jairzinho, o Furacão da Copa. Pelé, em futebol, é hors-concours. Falando assim, não fico só na pobreza de Corintião e corintianos.
O seu comentário aviva pontos enfocados por FHC, outros levantados por jornalistas e acrescenta o seu ponto de vista sempre claramente crítico.
Como Estadista Operário, penso que Lech Walesa manteve um posicionamento muito mais lúcido ao dirigir a Polônia, na época um país comunista, não em uma fase de vacas gordas, como dizem os economistas.
Esse, pelo que lembro e pelo que tenho lido, foi um líder autêntico e verdadeiramente carismático, que lutou contra o status quo que infelicitava o seu país. Sua liderança mobilizou toda a sociedade polonesa, e os trabalhadores passaram a obter vantagens verdadeiras e não esmolas, como muitos fizeram e continuam a fazer em nome da melhoria do povo.
Conseguiu reunir ao seu redor o povo, a Igreja Católica, a Universidade, enfim, as forças vivas da Sociedade, para, juntos, lutarem contra a opressão da didatura militar comunista, mas principalmente contra os “burocratas autoritários sustentadores do coletivismo sem alma”.
Desse modo, a velha e heróica Polônia de tanta história e arte pode levantar-se de um velho sono e voltar a sonhar com o futuro.
O líder do Solidariedade, com a ajuda de outro polonês de fibra, religioso e poeta, Karol Wojtyla, então o papa João Paulo II, soube enfrentar a ditadura do general Jaruzelski. As ações inovadoras e corajosas de Walesa abalaram o comunismo e prenunciaram o colapso do regime em todo o Leste Europeu.
Quando Lech Valessa, em 1990, foi eleito presidente da Polônia, acabara de cair o Muro de Berlim e a ex-poderosa URSS vinha aos poucos se desfacelando até seu total desmantelamento em 1991.
Para essa total desestruturação de um velho mundo, Lech Walesa contou com a ação de outro líder também idealista e corajoso, Mikhail Gorbachev.
Walessa na presidência forma um governo em que a administração é comandada por intelectuais progressistas, sindicalistas e religiosos. Cheio de idealismo e de boas intenções de servir ao seu povo, o seu governo colecionou êxitos, mas também alguns fracassos. O principal foi o de não ter conseguido realizar tudo que prometera. Teve, porém, a humildade e a grandeza de, ao final do mandato, reconhecer: “Não adianta ganharmos as eleições porque não conseguimos mudar as políticas públicas”.
Isso é mudar um país e contribuir para a mudança do mundo! Isso é ser estadista!
Na Polônia contemporânea, Lech Walesa é referência indiscutível. Foi o homem, que, no passado dia 9 deste mês de outubro, simbolicamente, fez ruir o Muro de Berlim, ao empurrar a primeira peça de um dominó gigante, que, em cascata, representou toda a queda do Muro e, ao mesmo tempo, de toda uma época retrógrada com países cercados e divididos.
Quiséramos que no Brasil também um dia não tenhamos barreiras que limitam e que mantêm um povo aprisionado por políticas ideológicas, desestruturadas, populistas e enganadoras.
Marcelo, por similaridade, acabei expondo algumas ideias no rastro do seu comentário e por ele motivado.
Um grande abraço,
Jayme
Professor Jayme,
É assim que funciona: comentários aos textos puxam adendos.
A função de "lançador" é fundamental.
E "artilheiro matador" (pela forma como a expressão foi usada por Lula, referindo-se ao mais-que-tacanho Hugo Chavez), agora pode ser lida em outra clave: na condição de "pecha".
;)
A história (e os bastidores ) do Muro de Berlim pode(m) ser visitada(os) com facilidade, nos dias de hoje, por uma série de noticiários e documentários "comemorativos" dos vinte anos de sua queda. Alguns em canal aberto, outros em TV a cabo. Polícias de Estado, como a Stasi da República "Democrática" Alemã (sic) deveriam causar vergonha a qualquer Regime. Deveriam, porque há regimes-sem-vergonha.
No mais, Lech Walesa está na minha "galeria dos homens dignos". Por uma razão definitiva: a expressão Direitos Humanos em sua boca não era uma expressão vazia. Independentemente dos eventuais déficits (inevitáveis, ao final das contas) entre seus propósitos políticos e realizações efetivas.
Abração, e obrigado por ampliar suas próprias reflexões a partir de meus comentários.
Marcelo.
Olá, prof. Jayme!
Nem sei e nem consigo - no momento - comentar, confesso...
Os diálogos entre o sr. e o Novaes são verdadeiras aulas.
Forte abraço e obrigada.
Taninha
Taninha,
Sinta-se à vontade para comentar. O seu comentário sempre é muito importante.
Como você sabe, o Marcelo é instigante e perspicaz o bastante para arrancar do autor do texto outros comentários. É bom, porque assim o debate flui com algumas ideias que podem suscitar novos debates.
Estamos assim procurando incentivar àqueles que quase não comentam a entrar na discussão.
Um grande abraço,
Jayme
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