18 maio, 2010

OLAVO BILAC E A POESIA INFANTIL E DIDÁTICA

OLAVO BILAC
Olavo Bilac (Rio de janeiro, 1865-1918) foi um eterno inconstante. Começou Medicina, no Rio, e depois Direito, em São Paulo, sem ter concluído nenhum desses cursos. Literariamente. em 1884, teve seu primeiro soneto, denominado Nero publicado na Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro. Em 1887, iniciou a carreira de jornalista literário. Em 1888, publicou seu primeiro livro, Poesias. Depois publicaria crônicas, conferências literárias, discursos, livros infantis e didáticos.
Esteve sempre engajado em movimentos políticos do país. Foi republicano e nacionalista, tanto que escreveu a letra do Hino à Bandeira. Mais tarde, ao fazer oposição ao governo de Floriano Peixoto, foi perseguido e teve de se afastar do Rio de Janeiro. Ficou por algum tempo como num exílio político no estado de Minas Gerais. Voltando ao Rio, foi membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, em 1896. Já no século XX, em 1907, foi eleito o primeiro “príncipe dos poetas brasileiros”, em concurso patrocinado pela revista Fon-Fon. De 1915 a 1917, como o nacionalista que sempre foi, participou de várias campanhas cívicas, principalmente aquelas pelo serviço militar obrigatório e pela instrução primária.
Como grande poeta parnasiano, a sua obra póstuma Tarde (1919) é uma das mais representativas da poesia brasileira e marcante de uma época e de um estilo literário. A sua poesia infantil e didática mantém, embora sem grande fornalismo, a mesma qualidade de seus outros poemas.
O poeta faleceu em 1918 e nos deixou grande e importante legado de poemas e de exemplos de civismo e de participação social, como cidadão e como intelectual. Dentre esses, destacam-se os poemas infantis com lições sobre vários assuntos, desde os relacionados ao amor ao país, à natureza, à religião e à confraternização entre as crianças.
Nesta página, como ilustração da sua poesia infantil e didática, apresentam-se cinco poemas:
1. A Pátria
Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente
em festa,

É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!

Vê que grande extensão de matas, onde impera
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha...

Quem com seu suor a fecunda e umedece,
vê pago o sue esforço, e é feliz, e enriquece!
Criança! não verás país nenhum como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste!
2.

O Universo
A Lua:
Sou um pequeno mundo;
Movo-me, rolo e danço
Por este céu profundo;
Por sorte Deus me deu
Mover-me sem descanso,
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.

A Terra:
Eu sou esse outro mundo;
A lua me acompanha,
Por este céu profundo...
mas é destino meu Rolar,
assim tamanha,
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.

O Sol:
Eu sou esse outro mundo,
Eu sou o sol ardente!
Dou luz ao céu profundo...
Porém sou um pigmeu,
Que rolo eternamente
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.

O Homem:
Porque, no céu profundo,
Não há-de parar mais
O vosso movimento?
Astros! qual é o mundo,
Em torno ao qual rodais
Por esse firmamento?

Todos os Astros:
Não chega o teu estudo
Ao centro d’isso tudo,
Que escapa aos olhos teus!
O centro d’isso tudo,
Homem vaidoso, é Deus!


3. O Pássaro Cativo
Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.

Dás-lhe então, por esplêndida morada,
A gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
Porque é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar ?

É que, crença, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender ;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:

“Não quero o teu alpiste !
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que a voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores,
Sem precisar de ti !
Não quero a tua esplêndida gaiola !
Pois nenhuma riqueza me consola
De haver perdido aquilo que perdi ...
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas ...
Solta-me ao vento e ao sol !
Com que direito à escravidão me obrigas ?
Quero saudar as pompas do arrebol !
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas !
Por que me prendes ? Solta-me covarde !
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade ...
Quero voar ! voar ! ... “

Estas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição:
E a tua mão tremendo, lhe abriria
A porta da prisão ...


4. A Boneca
Deixando a bola e a peteca,
Com que inda há pouco brincavam,
Por causa de uma boneca,
Duas meninas brigavam.

Dizia a primeira : “É minha!”
— “É minha!” a outra gritava;
E nenhuma se continha,
Nem a boneca largava.

Quem mais sofria (coitada!)
Era a boneca. Já tinha
Toda a roupa estraçalhada,
E amarrotada a carinha.

Tanto puxavam por ela,
Que a pobre rasgou-se ao meio,
Perdendo a estopa amarela
Que lhe formava o recheio.

E, ao fim de tanta fadiga,
Voltando a bola e a peteca,
Ambas, por causa da briga,
Ficaram sem a boneca ...
5.

Justiça
Chega à casa, chorando, o Oscar. Abraça
Em prantos a Mamãe.
“Que foi, meu filho?”
—“Sucedeu-me, Mamãe, uma desgraça!
Outros, no meu colégio, com mais brilho,
Tiveram prêmios, livros e medalhas...
Só eu não tive nada!”
—“Mas porque não trabalhas?
porque é que, a uma existência dedicada
Ao trabalho e ao estudo,
Preferes os passeios ociosos?
Os outros, filho, mais estudiosos,
Pelas suas lições desprezam tudo...
Pois querias então que, vadiando,
Os outros humilhasses,
E que, os melhores prêmios conquistando,
Mais que os outros brilhasses?
Para outra vez, ao teu prazer prefere
O estudo! e o prêmio alcançarás sem custo:
E aprende: mesmo quando isso te fere,
É preciso ser justo!”.


Nos cinco poemas apresentados, que fazem parte do livro intitulado Literatura Infantil–1880-1991, Olavo Bilac nos dá algumas lições:
1.no poema A Pátria, lição de civismo, embora num tom de ufanismo, como é uma bastante comum na literatura brasileira. Essa lição deveria ser ensinada às crianças, para que pudessem, mais tarde, quando adultos, praticarem-na em suas atividades como cidadãos;
2.no conjunto de poemas que constituem a série O Universo, a lição é de cosmologia e de sentimento de respeito à grandeza de Deus, o Onipotente, perante o Homem, mísero mortal, o que se apresenta sob a forma de alegoria no diálogo entre o homem e os astros;
3.no poema O Pássaro Cativo, aparece a lição de amor à natureza, uma espécie de Ecologia avant la lettre, com conceitos também como o de prisão versus liberdade;
4.em A Boneca, a lição se refere à procura da socialização das crianças, o aprender a dividir, primeiramente, os brinquedos, para, mais tarde, adultos, saberem exercer a solidariedade;
5.finalmente, no último poema, Justiça, a lição é sobre o senso de justiça, mas também o ensinamento de qualidades, como a dedicação aos estudos, o não cultivo da inveja e da soberba.


2 comentários:

Tania Anjos disse...

Olá, prof. Jayme!

A poesia infantil de Olavo Bilac é muito presente nos livros didáticos: "A Boneca" é um bom exemplo. Pena que a maioria dos professores não exploram os textos poéticos permitindo que os alunos fruam e se coloquem - ficando claro que cada sentido dado ao texto é verdadeiro e não há interpretações erradas quando, após uma boa leitura, análise e conversa os alunos dizem de suas impressões...

Os poemas escolhidos são perfeitos para mostrarem o quanto a poesia tem a oferecer à formação da criatura humana - enquanto aluno, cidadão, pessoa. Possibilitando não só o exercício da sensibilidade mas também a análise crítica de questões relevantes da sociedade e política.

Eu fico muito chateada quando percebo que menosprezam a poesia achando que sua relevância é menor e que os poetas vivem no "mundo da lua". Comum dizerem: "não tenho tempo para trabalhar poesias; tenho coisas mais importantes para tratar em sala de aula!".
Uma pena...

Acho válido dizer que quando se trabalha a poesia na escola,
deve-se - principalmente - permitir que os alunos experimentem o fazer poético: respeitando as individualidades e gostos, é claro. Não se pode obrigar um indivíduo a fazer o que não lhe é de seu interior - ser poeta vem de dentro e vem cedo. Mas pode-se e deve-se mostrar a beleza e profundidade das poesias e, quem sabe, muitos se descobrirão escritores, poetas, compositores... Claro que tudo isso dá trabalho e "gasta" tempo. Não poderia ser diferente.

Penso que as Artes na escola seja muito importante e que deva e mereça um apoio maior por parte do poder público para viabilizar a seu trabalho com qualidade dentro das escolas.Investindo ainda mais em professores qualificados e projetos bem estruturados.

Sou suspeita, mas este blog tem posts de qualidade incomparável. Este é um deles.

Obrigada, Prof.

Forte abraço,
Taninha

Jayme Ferreira Bueno disse...

Oi, Taninha
Além do que você disse, eu acho também que os nossos colegas nem sempre possuem a sensibilidade, e, portanto, como dizia Bilac, não são capazes "de ouvir e de entender estrelas".
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) no poema GAZETILHA nos ensina:

"Dos Lloyd Georges da Babilônia
Não reza a história nada.
Dos Briands da Assíria ou do Egito,
Dos Trotskys de qualquer colônia
Grega ou romana já passada,
O nome é morto, inda que escrito.

Só o parvo dum poeta, ou um louco
Que fazia filosofia,
Ou um geômetra maduro,
Sobrevive a esse tanto pouco
Que está lá para trás no escuro
E nem a história já historia".

Vamos continuar a acreditar na poesia...
Jayme